Indústria de liminares

O “Diário do Nordeste” de 31.08.03, Negócios, pág 02, divulgou matéria dando conta de que o governo federal vai propor uma lei exigindo o depósito como condição para a propositura de ação em que o contribuinte se insurge contra qualquer imposto. Isto que dizer que teremos, se o Congresso Nacional curvar-se a mais essa imposição do Poder Executivo, o retorno do “solve et repete”, ou “pague para depois discutir”, próprio das ditaduras. Retorno à era das ditaduras de Vargas, quando o contribuinte era obrigado a pagar para poder discutir a exigência de tributo que considerasse ilegal. Argumenta a Receita Federal que é necessário combater a “indústria de liminares”, expressão de sentido pejorativo com a qual se refere às medidas liminares deferidas pelo Judiciário para suspender a exibilidade dos tributos questionados pelos contribuintes.

É importante que se esclareça, porém, que a “matéria-prima” para essa “indústria” é a arbitrariedade do fisco, cada dia mais presente na vida do contribuinte brasileiro. Assim, em vez de limitar a ação do Poder Judiciário, eliminando as medidas liminares como instrumento de suspensão da exibilidade de tributos indevidos, o que a Receita Federal deve fazer é evitar exigências arbitrárias. Ressalte-se que o depósito”, atualmente, é uma forma de pagamento, pois a CEF é obrigada a repassar para o Tesouro Nacional os valores depositados pelo contribuinte que ingressa com ação judicial. Assim, de depósito na verdade só resta o nome.

Se for instituída a obrigação de depositar, como condição para a propositura de ação judicial, ter-se-á restabelecida a exigência do “solve et repete” há muito repelido pela jurisprudência por ser flagrantemente insconstitucional. Aliás, a jurisprudência já afirmou a inconstitucionalidade do depósito, mesmo antes de sua transformação em verdadeiro pagamento disfarçado. Por isto é de se esperar que o Congresso Nacional não se curve a mais essa manifestação de arbítrio. Se as autoridades da Receita Federal querem acabar com a indústria de liminares devem, isto sim, deixar de lhe fornecer a matéria-prima. Deixar de praticar arbitrariedade. E se entendem que ocorre o uso indevido do poder pelos juízes - o que apenas para argumentar se admite - mesmo assim não devem preconizar a exigência do depósito e sim a utilização dos meios que a legislação oferece para que sejam cassadas as liminares indevidamente concedidas.

A liminar é um direito do contribuinte vítima do arbítrio. Se, entretanto, uma liminar é indevidamente concedida, o que se deve fazer é pleitear a sua cassação junto ao tribunal. Suprimir a oportunidade para a concessão de liminares em matéria tributária é colocar o fisco fora do controle jurisdicional, estimulando a prática do arbítrio que é inteiramente incompatível com o Estado Democrático de Direito, no qual nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da apreciação judicial. Não é razoável admitir-se que a desconfiança do fisco no Poder Judiciário, revelada na maliciosa expressão “indústria de liminares”, sirva de pretexto para justificar a demolição das garantias constitucionais do cidadão. A atividade jurisdicional, respeitada e efetiva, é que faz do Estado um instrumento de homens livres, em vez de um soberano senhor de escravos.

Presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários