Executivo, Legislativo e Judiciário devem se entender

Legenda:
Foto: Eduardo Queiroz

A criação da Escola Nacional Superior da Magistratura, a elaboração do Estatuto da Magistratura, o funcionamento das ouvidorias são temas que o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Edson Vidigal, 60 anos, está discutindo com os tribunais de Justiça estaduais. Como prática, está indo diretamente aos Estados, verificando a realidade do Judiciário local e ouvindo sugestões para o aperfeiçoamento dos pontos agendados. Na semana passada, esteve em Fortaleza. Na ocasião, demonstrou um perfil inovador em contraposição à estrutura conservadora do Poder Judiciário. Por exemplo, defende um teste vocacional e psicotécnico para os candidatos que pretendem ingressar na Magistratura. Para o presidente do STJ, maranhense de Caxias, é imperioso que os futuros juízes sejam avaliados não apenas pelo saber jurídico, mas que tenham suas vidas pregressas investigadas, bem como possam apresentar vocação e equilíbrio emocional, ao tomar decisões importantes que implicam na liberdade e nas questões patrimoniais. No seu modo de ver, o País requer o aumento para mais de 4 mil Varas Federais, o que refuta a recente pesquisa de iniciativa do Supremo Tribunal Federal (STF), a qual aponta a existência suficiente de juízes para atender às demandas da sociedade.

Diário do Nordeste - senhor tem visitado tribunais pelo Brasil e particularmente no Nordeste. Qual o objetivo dessas visitas?

Edson Vidigal - Nós temos uma agenda de trabalho cujo objetivo primeiro é a aproximação maior entre o Superior Tribunal de Justiça e a Justiça dos Estados. E nada melhor do que vir pessoalmente. Nós temos constatado situações que, se me dissessem em Brasília, eu não acreditaria. Então, é importante esse contato direto entre o dirigente e as bases operacionais da Justiça. É uma agenda de trabalho porque estamos conversando sobre previdência complementar para os servidores e magistrados, uma vez que, daqui a algum tempo, alguém que esteja entrando na magistratura vai se afastar com uma aposentadoria de R$ 2.600 na sua base máxima. Pergunto se isso pode servir de estímulo para os jovens que ingressam na magistratura. Estamos prosperando na idéia da criação de um Fundo de Pensão Privado para servidores do Judiciário Federal e para os servidores do Estado.

- Como se encontra hoje a elaboração do Estatuto da Magistratura?

Edson Vidigal - Esse é um outro ponto da agenda. Entendemos que está muito cedo para se fechar esse estatuto, uma vez que a reforma constitucional para o Judiciário não se completou. Então, não faz sentido colocarmos os carros adiante dos bois. É preciso que tenhamos a conclusão da Reforma do Judiciário na parte constitucional para que possamos discutir, de forma terminativa, as sugestões para o novo Estatuto da Magistratura. Enquanto isso, estamos ouvindo sugestões e já existem propostas por parte da Associação dos Magistrados do Brasil e da Associação dos Juízes Federais, mas é preciso que a gente faça um confronto entre essas propostas para que tenhamos uma harmonização.

- Já existem avanços com relação ao funcionamento das ouvidorias? Que outros pontos também se incluem na agenda durante as visitas aos Estados?

Edson Vidigal - A reforma constitucional obriga os Estados e a União a instituírem ouvidorias, que funcionariam como canais entre a sociedade e os Judiciários dos Estados e da União. O STJ já se antecipou e criou sua ouvidoria. O nosso ouvidor está integrado à nossa caravana de trabalho e estamos repassando aos tribunais estaduais aquilo que já aprendemos a respeito desse novo instrumento de comunicação entre a sociedade e a administração pública. Também está em nossa agenda o convênio do STJ com o Conselho da Justiça Federal e o Banco Central. Esse convênio opera dois aspectos importantes para o Poder Judiciário. Um é quando o juiz determina, a pedido do Ministério Público, a quebra do sigilo bancário, no caso de investigações criminais. Isso tem que ser feito de maneira rápida para não prejudicar a instrução processual. Outro são certas decisões judiciais que resultam em pagamento de dinheiro para a parte vencedora da demanda. Quanto a isso, o Banco Central está substituindo o seu sistema que, até então, era feito no papel, pelo sistema on-line. Então, os juízes de primeiro grau, os desembargadores dos Estados que operam esse sistema devem estar devidamente instruídos a respeito disso.

- O que classifica como coisas vistas nessa viagem que se estivesse em Brasília não acreditaria?

Edson Vidigal- Diz-se no Brasil que a Justiça gasta demais e que há juizes demais. Isso não é verdade. Eu não sei de onde vem essa lógica. A constatação que temos feito nessas viagens é exatamente o contrário. Vou dar exemplos. Na Amazônia, onde temos a Zona Franca de Manaus, onde rola bilhões de reais, há também muita sonegação. Pois estamos lá com apenas 12 varas da Justiça Federal e na prática só temos três juízes atuando. No Acre, existe na fronteira um Município chamado Cruzeiro do Sul, com 120 mil habitantes, e esse somente é alcançável por linha área, que não é regular. E os juízes federais foram lá em regime de mutirão e, em um mês, realizaram algo em torno de mais de 200 demandas. Isso prova a necessidade de se implantar ali uma Vara Federal. O que dizer do escandaloso caso das defensorias públicas. O que está acontecendo? Uma vergonha. No último dia 10, descobri na Paraíba que há somente dois defensores perante a Justiça Federal e em Roraima, onde estive há duas semanas, não existe nenhum e as demandas encontram-se paradas.

- Essas visitas não poderiam ser um exemplo a ser seguido entre aqueles que concentram seus trabalhos em Brasília?

Edson Vidigal - O que está ocorrendo é a prática da idéia de que os homens públicos devem conhecer mais o Brasil. Eu já viajei muito por este País, como repórter em missões das mais difíceis e arriscadas. Olha que eu pensava que sabia demais sobre o Brasil e não sabia de nada. É preciso que os homens públicos invertam o fluxo das inspirações e das decisões nacionais. É necessário que tenhamos governos itinerantes.

- Qual a sua expectativa com a implantação da Escola Nacional Superior da Magistratura?

Edson Vidigal - O que nós estamos querendo é inaugurar no Brasil uma nova era de Escola de Magistratura. Não desejamos que seja mais um trambolho nas contas públicas, com muitos funcionários, com salas de aula, escola com um campus e muito menos com hotel de trânsito. A escola será um escritório com pouca gente e muitos pensamentos para formularem estratégias bem como monitorar resoluções normativas a respeito do que terá que ser feito para o aproveitamento das vocações para a magistratura, a capacitação dos magistrados em relação à dinâmica do direito das realidades sociais do País.

- O Ceará está entre os cinco piores sistemas judiciários estaduais, por conta da taxa de congestionamento, segundo pesquisa do STF. A que o senhor atribui essa deficiência localizada?

Edson Vidigal - Primeiro que não reconheço essa deficiência porque não sei que critério foi utilizado para se fazer essa pesquisa. Se eu for fazer uma pesquisa no Supremo Tribunal Federal, vou descobrir que há ações de inconstitucionalidade tramitando há muito tempo, que não foram resolvidas. E não foram por quê? Os juízes não tiveram tempo? Não, porque há também uma taxa de congestionamento.

- Nós tivemos no Ceará o caso de um juiz que está sendo processado por homicídio duplamente qualificado. Como analisa o caso?

Edson Vidigal - Eu acho que o juiz precisa ter juízo. Ora, para se tirar carteira de motorista é preciso que se faça o exame psicotécnico, porque se não passar não faz a prova de marcha a ré, por exemplo. Então, defendo que o juiz deva submeter-se a um teste vocacional e a um rigoroso teste psicotécnico, antes de qualquer prova e isso deva ter um caráter eliminatório. Comprovado que o candidato tem vocação, equilíbrio emocional necessário para o exercício da função, então faz o concurso para avaliar o saber jurídico. É preciso que se faça uma investigação sobre a vida pregressa para verificar se tem reputação ilibada, porque essa é uma expressão que está na Constituição e muita gente não sabe o que é.

- Hoje, muitos se levantam em favor da pena de morte. Como avalia a questão?

Edson Vidigal - Se pena de morte resolvesse, os Estados Unidos não teriam violência. No entanto, possuem um dos maiores índices de criminalidade do mundo. Os Estados Unidos possuem uma das maiores populações carcerárias do mundo. Não podemos invocar a lei de talião, olho por olho, dente por dente. Nós temos que invocar a lei da paz, que a paz reine nos seres humanos.

- Ministro, o senhor rechaça a pesquisa que aponta o Ceará como o pior sistema judiciário do Brasil, em termos de descongestionamento de processos. Também disse ao programa Questão Aberta, que contesta a mesma pesquisa, quando constata que há um número razoável de juízes no Brasil. Qual foi a utilidade da pesquisa do Supremo Tribunal Federal?

Edson Vidigal- Eu não sei.

- O senhor não viu nada de positivo nesse trabalho?

Edson Vidigal- Tudo que é negativo tem que conter alguma mensagem positiva. Mas eu ainda não consegui localizar onde se quer chegar com isso.

- O senhor tem idéias muito inovadoras para um poder marcadamente de perfil conservador. Não é um tanto paradoxal o defender novidades para um Judiciário ainda muito arredio a mudanças?

Edson Vidigal - É verdade. Temos um poder Judiciário ainda com um pé na monarquia, ou seja de um passado remoto. Ao mesmo tempo, temos uma sociedade se conscientizando, se indignando cada vez mais cobradora, querendo que a democracia se firme pela ação dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. É preciso que os três poderes se entendam e trabalhem em harmonia. E nessa harmonia identificando as prioridades para a sociedade brasileira.

- Como se encontra o processo de certificação digital?

Edson Vidigal - Está em estágio avançado e estamos praticando as decisões do STJ, que são captadas na Internet. São copiadas com todas as garantias, sem a possibilidade de interferência que venha alterar a sua autenticação e sua legitimidade. Inclusive, por conta desse sistema, já temos um projeto para lançar, que é o Diário da Justiça on-line. Isso significará que uma decisão tomada às 12 horas pelo ministro César Asfor Rocha, por exemplo, a zero hora já estará no Diário da Justiça, com um despacho burocrático dele acerca de um determinado processo e, a partir daí, já começa o prazo de cinco dias para a interposição do recurso. Estamos precisando agora de uma medida legislativa, para dar cobertura legal.

Marcus Peixoto
Editoria de Reportagem