Esbulho fiscal

Em editorial de sua edição de 11/01/2005, o Diário do Nordeste versou com muita propriedade, a questão da voracidade fiscal, que, de tão arraigada na cultura governamental brasileira, vem sendo amortecida pela ausência de uma vigilância maior da Imprensa, única força democrática ativa capaz de conter o sistemático avanço do autoritarismo praticado sob os mais variados discursos políticos com falsa sonoridade social.

Os números do desempenho fiscal obtido em 2004 divulgados nesse editorial demonstram que, para os governantes brasileiros, quanto mais se arrecada mais se faz propício agravar o sacrifício dos contribuintes, aproveitando-se sonoridades de medidas insignificantes, como é o caso do ínfimo reajuste das margens de não incidência do Imposto de Renda da pessoa física, ainda totalmente defasadas da realidade. E, como sempre, o governo utiliza a medida provisória que já está consagrada como instrumento eficiente para praticar o esbulho fiscal continuado, porque viabiliza cooptar a cumplicidade criminosa da maioria parlamentar e não sofre o controle judicial devido pela injustificável tolerância do Supremo Tribunal Federal que, nesse tema, vem destruindo a independência democrática dos juizes brasileiros.

O atendimento político dispensado pelo STF às medidas provisórias antecipa a gravidade do risco de que a súmula vinculante destrua, de uma vez por todas, a resistência democrática fundada no controle judicial. Devemos ser otimistas e esperar, que, de fato, como anuncia o editorial do Diário do Nordeste, existam prenúncios de que a cidadania começa a despertar para exercer seu papel político. Corremos, porém, o risco de tais ressaltos de resistência cívica percam força, pela falta de sistematização, pela ausência, de organização que coloque em foco cotidiano da Imprensa as violações governamentais, e a permanente consagração do esbulho fiscal.

A dinâmica da vida política e a eficiência governamental de produzir dispersão de noticias desviam a Imprensa de uma continuidade de pauta sobre a voracidade fiscal capaz de oferecer freios que nem o Legislativo, nem o Judiciário estão produzindo contra o esbulho fiscal. Divulga-se que o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) é o órgão público com o maior número de reclamações contra seus serviços, existindo 2,1 milhões de ações em tramitação na Justiça Federal, dentro de um total de 2,6 milhões de casos, sem falar nas 605.469 ações em que o Poder Público federal é autor. Isto tudo, sem considerar, os chamados “recursos judiciais internos” que objetivam estabelecer o denominado “préquestionamento” produto da burocracia judicial, que em desvio autoritário, objetiva evitar que o acesso aos Tribunais Superiores (STJ, TST e STF).

Na verdade, o congestionamento judicial tem como causa principal a litigiosidade provocada pelo autoritarismo que realiza um sistemático esbulho fiscal. A súmula vinculante, para ter valor democrático, deveria ser aplicada somente contra o Poder Público.

Professor da Faculdade de Direito da UFC