´Eo parlu u corsu´

A Córsega, se sabe, é uma ilha do Mediterrâneo ocidental (Mar Tirreno), ao sul da França e a oeste da Itália. Tem uma superfície de pouco mais de 8.680 m2 e uma população que alcança algo em torno de 300.000 habitantes. O clima é simplesmente mais que agradável: no inverno gira em torno de 11graus. Não se verificou, no final de dezembro passado e início deste janeiro, nenhuma temperatura abaixo dos seis graus centígrados. É hoje um destino turístico dos mais valorizados da Europa mediterrânea, com uma elevada apreciação por parte de quantos a visitam. Paisagens absolutamente deslumbrantes, a montanha lavando os pés no mar, florestas cerradas, o javali selvagem, rede hoteleira totalmente bem equipada, enfim, um destino turístico dos mais procurados. Mas não é exatamente disso que lhes quero falar: desejo reportar-me, ainda que brevemente, à Córsega histórica e cultural.

Desde os tempos mais remotos, os gregos chamavam-na Kalista, ou seja, a mais bela. Ponto de encontro de várias civilizações, foi a Córsega, enfim, incorporada ao império romano desde o século II A.C. A romanização foi intensa, sendo a língua corsa um idioma nascido diretamente (repita-se: diretamente) do latim vulgar (falado) levado à ilha por colonos, soldados e administradores romanos, desde aquela época.

Genoveses e pisanos disputaram, ao longo da idade média, o comércio com a Córsega, durante séculos. Aos primeiros coube deixar um legado mais importante, tanto na língua, como na feição arquitetônica das principais cidades. Mas o acento toscano é bem audível no corso. A partir de 1769, a Córsega passou ao domínio francês, não sem a heróica resistência por parte da população, que teve em Pasquale Paoli seu baluarte maior. É emblemática a paisagem do Ponte Novu, onde se deu a mais cruenta batalha contra os franceses, quando capitularam os corsos. Pois bem: hoje, a Córsega é politicamente território francês. Nas principais cidades, ouve-se a língua de Victor Hugo, partout. E é até pouco provável que se ouça o corso entre os empregados de hotéis, restaurantes, as pessoas em trato com os turistas. Mas, atenção: Se você quiser ouvir a língua corsa, terá com certeza a oportunidade de consegui-lo: saindo de Bastia com destino a Ajaccio, de carro com motorista local, perguntei-lhe (seu nome, Henri, para turistas; para os mais curiosos, Enricu) se ainda se falava a língua corsa. Tomou-se de espanto. Me disse que coisa rara era ouvir de um turista essa pergunta. Mas, claro! Eu sou corso! E fizemos, a Ana Maria e eu, todo o trajeto - 153 km, três horas de viagem entre montanhas -, ele falando em corso e eu em italiano: as duas línguas são perfeitamente inteligíveis entre si.

Daí resulta que os corsos são cidadãos franceses, falam normalmente o francês, mas guardam, como eles mesmos dizem, u corsu lindu è puru. Há uma literatura em língua corsa, incessantemente em crescimento. Os povos, quando conscientes de sua identidade, nutrem tanto amor pelo que é seu que, mesmo em circunstâncias adversas, como é o caso do corso em relação ao francês, enquanto línguas de comunicação, há uma desvelada intenção de não sucumbir enquanto nação e etnia. Gostei de ter ouvido: So corsu, signò!

Parabenizo, aqui, o meu amigo poeta e professor Ghjacumu Thiers, da Universidade de Corti, um dos grandes defensores da cultura corsa, em todo o mundo. Há tempo eu pretendia realizar uma viagem à Córsega, porque tinha a certeza de aqui encontrar o que encontrei: uma paisagem magnífica em torno dos minúsculos paesi (Biguglia, Veru...), aldeias incrustadas nas encostas dos montes, onde mais que nas cidades visitadas pelos turistas, pode-se ouvir a língua de Napoleone Bonaparte, antes dele tornar-se Imperador dos Franceses, sendo corso nascido em Ajaccio, um ano depois de ter-se assinado o tratado de Gênova (1768) a partir de quando teve início o domínio francês

Luciano Maia
Professor da Unifor