Editorial: Violência e modernidade

O que a violência pode construir? A pergunta é um convite à reflexão e se relaciona com a modernidade e com os modelos de comunicação atualmente estabelecidos, se inspirando na apuração de que a rede social Facebook puniu 33,6 milhões de conteúdos violentos postados por usuários, entre janeiro e março deste ano. O caudaloso número é, de acordo com dados publicizados pela empresa, quase 10 vezes superior ao que se registrou em igual período do ano passado.

A quantidade das publicações que foram removidas das páginas, marcadas ou cujos autores tiveram contas suspensas passou de 2,5 milhões para 4 milhões, no comparativo entre o trimestre inicial de 2018 e o de 2019, ainda com base nas informações do Facebook.

É válido, diante de constatações dessa natureza, que se recorra a estudiosos reconhecidos, como a filósofa Hannah Arendt, alemã de origem judaica que, por essa condição, viu-se perseguida pelo nazifascismo nos anos da Segunda Guerra Mundial e, por isso, forçada a emigrar para os Estados Unidos. Hannah Arendt chegou a lhe ter retirada a nacionalidade pela ditadura hitlerista. Registrou ela, no livro “Da Violência”, uma análise de fatos políticos verificados desde o fim do conflito internacional até 1970: “Mais uma vez, não sabemos onde esses acontecimentos nos levarão, mas sabemos, ou deveríamos saber, que toda diminuição de poder é um convite à violência”.

Há, de fato, uma perigosa sequência de gestos pela diminuição do poder que se registra no Brasil e em outras nações – em preocupantes menções ao esvaziamento da lógica, passível de análises de juristas, sociólogos e outros especialistas. E se mantém pertinente a dúvida admitida pela filósofa – “não sabemos aonde esses acontecimentos nos levarão” –, do mesmo modo que permanece intocável a constatação de que toda diminuição de poder é um convite à violência.

Têm sido frequentes, por exemplo, questionamentos descabidos acerca da eficiência ou da razão de ser dos sistemas judiciais, confrontos que, em qualquer análise, não se levantam contra esse ou aquele poder, mas contra os textos constitucionais que, em tese, são articulações definidas por toda a sociedade, por intermédio de suas representações legislativas.

É plausível que se façam correlações históricas entre o que se impunha anos atrás com o que se verifica hoje, ainda que pontualmente, em países distintos. Afinal, assim como na Alemanha de Hitler e nos anos de chamada “Guerra Fria”, há hoje espalhada nas redes sociais da Internet uma cultura de desconfiança, de intolerância e de estímulo à divisão, associada a uma radicalização deletéria de sentimentos negativos.

Deduz-se, sem esforços maiores, que a onda existente não é propositiva e se opõe, com rigor e dureza, às demandas de democracia, pluralismo e diversidade que se colocam com nitidez na essência da tecnologia moderna.

Ainda tendo Hannah Arendt como referência, vale concluir com mais uma observação dela, sem dúvida respeitosa às contradições humanas, contrária ao totalitarismo e incontestavelmente contemporânea: é o uso da razão que nos torna, perigosamente, “irracionais”. Afinal, é esta razão a propriedade de um “ser instintivo em seu estado natural”.