Editorial: Vida de exclusão

O número de pessoas vivendo em situação de rua é um indicativo dos graves problemas que assolam uma comunidade. É índice de desigualdades de ordem econômica e social; de limitações de alcance de políticas públicas, que garantam acesso universal a direitos como à saúde e à moradia; e mesmo da empatia de um povo. No encontro do dia a dia com pessoas que vivem sem-teto e sem condições mínimas de dignidade, a materialidade da questão é mais eloquente do que qualquer gráfico ou listagem de números brutos e percentuais. Notícias trágicas de violências extremas cometidas contra esse setor excluído do corpo social tem, igualmente, uma força semântica que supera a frieza e exatidão dos números.

O noticiário dos primeiros meses dessa ano trouxe, com frequência, história de uma existência limite, ameaçada por vezes por razões banais. No fim de semana, por exemplo, um morador de rua foi morto no Centro de Fortaleza, a pauladas. Caso semelhante aconteceu há um mês, no mesmo bairro, quando a vítima foi atacada por um grupo de homens e também morta. No começo de abril, uma mulher em situação de rua foi agredida, em um posto de combustíveis, por um motorista. A vítima estava encostada no veículo do agressor, que a atacou com um taco de beisebol, antes de fugir do local.

Por vezes, destaca-se que as pessoas vitimadas em caso do gênero têm ou tiveram envolvimento com atividades criminosas, tendo cometido delitos enquanto vivem nas ruas. Tal situação legal não justifica ou minimiza a gravidade das agressões sofridas. O Estado não pode compactuar com a ideia de retribuições na lógica da Lei de Talião, do olho por olho. É imperativo assumir a responsabilidade dos instrumentos constitucionais aos quais cabe o dever de julgar e, em caso de entendimento favorável, estabelecer as penas cabíveis ao(s) delito(s) em questão.

Não deveria ser necessário lembrar que as pessoas em situação de rua são cidadãos e, como tais, têm suas condutas reguladas pelo que dita a Constituição Federal e demais legislações do País. Têm os mesmos direitos e deveres de toda a população. Se sua situação denuncia carências que vão de encontro a esses direitos – e o da moradia é o mais evidente –, cabe aos municípios, aos estados e à União encamparem políticas de estado que minimizem esses males e que lhes restituam a dignidade. Em caso de algum débito legal seja constatado, que este seja cobrado de forma proporcional, pelos agentes apropriados e estritamente dentro do que prediz a lei.
Há uma década, foi instituída uma Política Nacional para a População em Situação de Rua, por meio do decreto nº 7.053 de 23 de dezembro de 2009. Em seu artigo 2, as responsabilidades pelas políticas públicas para o setor são devidamente atribuídas. Esta, diz o texto, “será implementada de forma descentralizada e articulada entre a União e os demais entes federativos que a ela aderirem por meio de instrumento próprio”.

Há ali um norte a ser perseguido. Para exemplificar, é suficiente citar a “valorização e respeito à vida e à cidadania”. Em tempos de crise econômica, numa temporada de chuvas atípica que têm provocado transtornos nas cidades, é imperativo se atentar aos riscos sofridos por estes segmentos de excluídos. 


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