Editorial: Vácuo familiar

O ingresso de crianças e adolescentes em unidades de acolhimentos é, por si só, episódio da maior gravidade. Instituições do gênero têm missão nobre e desempenham papel fundamental de atendimento a pessoas que fazem parte, sem qualquer dúvida, dos setores mais fragilizados de uma sociedade. O fato da existência destes espaços ser necessária é a prova de que, para aqueles que delas dependem, foi negado um direito básico.

A convivência familiar e comunitária é considerada direito fundamental de crianças e adolescentes, previsto na legislação brasileira. É duplamente garantido por lei, como pode ser atestado na leitura da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Em seu art. 227, a Carta Magna institui como dever da família, da sociedade e do Estado brasileiro "assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

Já o ECA, em seu artigo 19, explicita que toda criança e adolescente tem direito a "ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral". Por vezes, o núcleo familiar inexiste ou não cumpre suas funções. Casos em que, por exemplo, a integridade de crianças e adolescentes se vê ameaçada.

Em situações limites, quando falha a família, é inadiável a intervenção do Estado para garantir aos jovens o mínimo necessário a uma existência digna: um ambiente seguro, saudável e o acesso a direitos como o da Educação. É importante, por conta da própria ausência da família, seja por qual for o motivo, que suportes de natureza psicológica, social e pedagógica sejam proporcionados, para minimizar os danos provocados pela falta. Projeta-se, nesta forma, potencializar um desenvolvimento saudável, que pavimente um futuro melhor para estas crianças e adolescentes.

Dada a importância capital destes equipamentos, mantidos seja pelo Estado, seja pela iniciativa privada ou pelo terceiro setor, o funcionamento destes espaços e a qualidade de seus serviços devem cumprir, com rigor, as exigências que deles se fazem. Falhas, nestes casos, são extremamente graves, tendo em vista a sensibilidade das situações.

Registre-se os problemas levantados em pesquisa da Defensoria Pública Geral do Estado, concernente aos acolhimentos institucionais de Fortaleza. Mais de 400 crianças dependem deles, mantidos pela Prefeitura, pelo Governo do Estado e terceiro setor. Todos os 19 espaços disponíveis estão irregulares quanto a, pelo menos, uma das normas técnicas do Governo Federal e dos Conselhos Nacionais dos Direitos da Criança e do Adolescente e de Assistência Social. Há desde excedente de jovens atendidos até insuficiência de profissionais especializados.

O problema tem diagnóstico, dado pela Defensoria Pública, e prognóstico, na forma das regras nacionais exigidas dos abrigos. Poder Público e sociedade devem honrar suas obrigações para com estes pequenos cidadãos. E a gravidade do caso exige urgência nas ações.