Editorial: Um embate pela água

Já estão em operação, em Salgueiro (PE), as três estações elevatórias do último trecho do Canal Norte do Projeto São Francisco de Integração de Bacias, o maior empreendimento público na área dos recursos hídricos já executado pelo Governo Federal na região Nordeste, nos últimos 30 anos. Esse canal trará para o Ceará e o Rio Grande do Norte as águas do Rio São Francisco, que já chegaram, pelo Canal Leste, aos estados de Pernambuco e Paraíba.

Até que cheguem, ao Ceará, ao seu destino final – o Açude Público Padre Cícero, o Castanhão – essas águas farão uma viagem que demorará de quatro a cinco meses, segundo a avaliação de especialistas. Abre-se, assim, a boa perspectiva de que – depois de quase dois séculos – o sonho sonhado no tempo do Império tornar-se-á, finalmente, realidade depois de consumir mais de R$ 11 bilhões e 12 anos de trabalho, além de contabilizar algumas denúncias de irregularidades, falência de empreiteiras que atuaram no projeto, greve de trabalhadores e destruição – por má construção – de trechos dos dois canais. 

A versão atual do Projeto São Francisco de Integração de Bacias foi concebida em 2003, nas pranchetas dos engenheiros do então novíssimo Ministério da Integração Nacional, substituído, desde janeiro deste ano, pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, que absorveu também as competências do antigo Ministério das Cidades. Até o início de suas obras, em 2007, o projeto suscitou polêmicas que envolveram os governos de estados doadores (Minas Gerais, Bahia, Alagoas e Sergipe), ONGs ambientalistas e hierarcas da Igreja Católica, que se levantaram contra ele. O Comitê da Bacia do São Francisco pressionou a Agência Nacional de Águas (ANA) que limitou em apenas 26 m³/s a outorga da água para os canais Norte e Leste, os quais, todavia, foram construídos com altura e largura capazes de dar vazão a um volume muito maior, podendo chegar à marca de 100 m³/s. 

Há detalhes técnicos e ambientais que devem ser observados: nas épocas de cheia, a vazão do São Francisco, em sua foz, chega a 15 mil m³/s. Quando isso acontecer – e aconteceu em 2004 –, o Projeto São Francisco poderá captar, a jusante da barragem de Sobradinho, até 90 m³/s. A vazão ambiental mínima na foz do rio – que é a divisa natural de Sergipe e Alagoas – é de 1.500 m³/s. A Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), dona da cascata de hidrelétricas existentes de Paulo Afonso até Xingó, começa a investir na geração de energia solar, reduzindo assim o uso da água para fins energéticos e abrindo a perspectiva de usá-la mais para o consumo, humano e animal, e para a agricultura irrigada. 

Agricultores, pecuaristas e industriais do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco mobilizam-se para pressionar a ANA pelo aumento da outorga de água para o projeto contra o que se ergue o Comitê da Bacia do Rio São Francisco, que alega a baixa pluviometria dos últimos sete anos, não só na região nordestina, mas também nas áreas onde estão as nascentes do rio e de seus afluentes no Sudeste e Centro-Oeste do País. 

Vislumbra-se um embate pela água na região brasileira mais carente dela. Deve estar atento, para este impasse, o Governo Federal, para mediar, com racionalidade, os interesses dos envolvidos.