Editorial: Transparência e lei

As leis das licitações no Brasil reservam atenção especial à divulgação dos atos públicos na contratação de serviços privados. Não é exagero afirmar que a legislação é generosa ao determinar recursos por meio dos quais os cidadãos e suas instituições podem acompanhar gastos de naturezas específicas, visando a dar o trato devido a dinheiro e esforços coletivos. É correto: o contribuinte é credor da máxima transparência em relação ao que fazem o Estado e seus gestores.

Pois está em andamento no Congresso a elaboração de um novo modelo para licitações feitas por órgãos públicos, incluindo procedimentos  acessórios. A Câmara dos Deputados já aprovou matérias que modificam o sistema atual, restando agora a apreciação do Senado Federal e as eventuais sanções ou vetos do Poder Executivo.

Pode-se dizer que, no nível do controle de despesas, tais reformas têm importância equivalente à da Previdência ou à tributária. Passada essa etapa, será a vez de estados e municípios, por meio de assembleias e das câmaras de vereadores, adequarem as normas federais às das respectivas esferas administrativas. 

Mas nem toda a proposta é cercada de clareza administrativa, o que permite questionamentos.

Entre as mudanças chanceladas pelos deputados federais está, por exemplo, a de que as gestões não precisarão mais divulgar em site oficial na Internet, no caso de obras, o teor integral dos contratos com as empreiteiras - essa obrigação ficará a cargo das empresas.

Esse mecanismo que transfere a responsabilidade da divulgação de dados a entes particulares acaba por desobrigar o Poder Público da tarefa de compartilhar informações de interesse comum. Em outra frente, rejeitou-se mais abrangência dos documentos que devem ser apresentados por empresas que prestarem serviços aos governos, entre os quais os recibos de quitação previdenciária. Ou seja, negou-se mais rigor.

É presumível que surjam argumentos de que, em compensação,  micros e pequenas empresas estarão dispensadas da obrigação, diferentemente das de grande porte – o que tornaria mais fácil a movimentação daquelas de porte menor. Ou de que a administração pública permanecerá, ainda no caso das obras, tendo de divulgar os quantitativos e preços que contratar, além dos valores que forem executados e dos preços praticados pelo mercado. E, ainda, que entre os destaques aprovados está um que impede a compra de artigos de luxo pela administração pública – embora não se defina o que venham a ser “artigos de luxo”, classificação que só deverá ser esclarecida por regulamento posterior.

Observe-se que, na raiz dos governos modernos, transparência e difusão de informações – mesmo daquelas que são tidas como estratégicas – são essenciais. Ir contra esse fundamento é ferir conquistas caras aos cidadãos.

Deve-se reconhecer que as estruturas legais carecem de atualizações, até porque as tecnologias sistematicamente oferecem condições mais amplas e otimizadas. Fazer minguarem as possibilidades não é, nem de longe, a solução mais correta ou prudente. Mas se há algo do qual não se pode abrir mão é a clareza de intenções e atos. Sem esse critério, cidadão nenhum pode se considerar com direitos preservados.