Editorial: Riscos da mentira

Programas de inclusão social implantados no Brasil, nas últimas décadas, tinham um caráter em comum: o de condicionar a participação de famílias à atualização constante dos cartões de vacinação das crianças, entre outras obrigatoriedades. Anotações corretas determinavam o recebimento dos benefícios. Não se discute aqui o mérito das iniciativas, mas um dos resultados obtidos.

Nos últimos meses, paralelamente ao esvaziamento progressivo dessas ações, tem se verificado o reaparecimento de uma doença que se julgava erradicada, o sarampo, que pode ser fatal ou causar danos irreversíveis à saúde.

Para intensificar mais ainda os danos, uma onda tem rolado sobre as redes sociais, visando a estimular os pais a não vacinarem os filhos. A prática não é apenas descabida e irresponsável, mas também uma ameaça à saúde pública .

O fato é que, mesmo havendo uma vacina segura e ações de esclarecimento, a Organização Mundial da Saúde registrou em 2017, no mundo todo, 110 mil mortes por sarampo. As principais vítimas foram crianças com menos de cinco anos de idade. A escalada da moléstia demonstra o quão é grave a situação.

No Brasil, conforme o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, confirmou-se mais de 2,3 mil ocorrências de sarampo entre junho e agosto - num quadro que acaba por excluir o País da relação de "zona livre do sarampo" -, com mortes em estados como São Paulo e no nosso vizinho Pernambuco.

O noticiário tem insistentemente situações, ocorridas não só no Brasil, mas também em outras nações, dando conta de que se registraram óbitos porque pais, açulados por informações falsas disseminadas em plataformas virtuais, teriam se recusado a vacinar os filhos - contra o sarampo e outras doenças graves, para as quais há formas de prevenção seguras.

Em função disso, não se deve cair na tentação, ou na omissão de juízo, de se achar que os boatos podem ser atenuados por se tratar de "pegadinhas", "brincadeiras" ou falta de atenção. Não são. Passa-se longe: a prática constitui crime tipificado em textos legais e com punições de rigor indubitável.

É preciso observar que em qualquer perspectiva não há argumentos que sustentem a tese de que se trata de brincadeira de mau gosto, versão dos tempos digitais dos trotes telefônicos. Compreensões individuais, algumas profundamente marcadas pelo preconceito, não podem se impor diante da objetividade do risco à vida. Nem mesmo como meras atitudes irresponsáveis esses procedimentos podem ser vistos, dadas as consequências que costumam ter.

O quadro é tão assustador que, sob a pressão virulenta das fake news, o Ministério da Saúde do Brasil tem instituído como reação a abertura de novos canais de comunicação. E criou um canal de aplicativo de mensagens pelo número telefônico. A estratégia é apontada como antídoto para o envenenamento social cometido por grupos organizados que atentam contra a dignidade das pessoas e contra a integridade das família.

A rigor, a essência das notícias falsas é a mesma, qualquer que seja o foco - tanto faz para a educação, o clima, a segurança ou a saúde. A essência é sempre a dos covardes e dos inconsequentes, que agem a despeito dos danos provocados por seus atos.


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