Editorial: Recursos de campanha em xeque

O exercício da democracia pressupõe, também, condições iguais para todos. Isso inclui, evidentemente, equilíbrio nos acessos a direitos e no cumprimento de deveres, além de isonomia nas regras sociais, políticas e econômicas. Pressupõe ainda transparência e aplicação adequada de recursos coletivos.

Mas as eleições, processo que melhor simboliza o convívio democrático, acabaram por deixar dúvidas este ano sobre um elemento novo, o financiamento público de campanhas eleitorais. Inovador e, por isso mesmo, mais intensa e justificadamente sujeito a questionamentos de uns e defesas de outros.

O Diário do Nordeste apontou na edição de ontem uma série de problemas detectados no financiamento das campanhas. São pontos que, pela complexidade do assunto e pela seriedade da abordagem, suscitam desde já correção de rumos.

Há, por exemplo, o episódio de uma candidata a deputada estadual que recebeu mais de R$ 200 mil do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e usou o dinheiro para pagar despesas de outro postulante, presidente do partido ao qual está filiada.

E, ainda, o da candidata a deputada federal que teve acesso a R$ 100 mil do contribuinte e obteve não mais do que 648 votos, o que representaria uma proporção de R$ 154,32 para cada voto conquistado.

É necessário quantificar o valor global, para que se tenha dimensão da complexidade desse quadro. O montante compreendido pelo chamado "Fundo Eleitoral", aprovado em 2017 pelo Congresso Nacional para este ano chegou a R$ 1.716.209.431,00, repassados a 35 siglas, numa distribuição que adota, entre outras referências, a composição da bancada que cada uma detém na Câmara dos Deputados e no Senado.

Soma-se a isso o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, definido pelos parlamentares em R$ 888,7 milhões para este ano. As cifras são altas, como é possível constatar, tendo não mais como origem contribuições de empresas - agora vetadas pela legislação -, mas o erário.

Não são, é claro, as circunstâncias que se podem adequadamente listar para a tarefa que é fortalecer a democracia por meio de instrumentos inclusivos e paritários, tarefa essa que deve ser conjunta e permanente. As falhas ensejam novos procedimentos, mais rigorosos e mais técnicos. Afinal, está se tratando do dinheiro e do voto do cidadão.

É válido registrar mais uma vez o que observou a este jornal o advogado e professor universitário Alberto Rollo, vice-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo: "Houve muitas reclamações de que o dinheiro foi dado aos partidos pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e as legendas distribuíram de acordo com seus critérios".

Apura-se, assim, que o arranjo, a manobra, o truque e, principalmente, o caráter autoritário e centralizador que prepondera em algumas agremiações partidárias são capazes de falar mais alto do que as normas instituídas pela lei.

E que, no manejar de ferramentas que misturam arrogância e uma forte tendência para a irregularidade, o que mais perde substância é interesse legítimo da sociedade - diante do qual não cabem argumentos contrários. Não é o caso de pura e simplesmente se pretender a diminuição ou a extinção de um caminho encontrado no decorrer de debates e apreciações jurídicas, contábeis e políticas.

É, sim, o de buscar o aprimoramento de meios que impedem deformidades ou desvirtuamentos de mecanismos vitais para o cidadão e suas instituições.


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