Editorial: Questão de saúde

Há indícios arqueológicos de que o uso de psicotrópicos pelos seres humanos remontam a tempos pré-históricos. Nas sociedades modernas, o tema ainda está longe de ter sido discutido ao ponto de se chegar a algo próximo de uma unanimidade acerca de seu consumo. O tráfico de substâncias ilegais mobiliza um mercado bilionário e violento, motor do crime onde quer que tenham instalada sua estrutura.

Em países como o Brasil, assolados pela violência, nas capitais e nas cidades do interior, um dos efeitos colaterais do tráfico é que o aspecto legal do problema das drogas muitas vezes domine o debate, deixando em segundo plano a questão de saúde que elas envolvem. Ao se associar os psicotrópicos inequivocamente ao crime de sua comercialização ilegal, destacar a necessidade da repressão ao tráfico e a difícil desmontagem dos exércitos que lhes dão suporte, termina-se, por vezes, fortalecendo o tabu que ignora o drama humano, em especial dos dependentes químicos.

O problema não é pequeno e engana-se quem o tome por uma realidade distante do cotidiano da maioria da população. A dependência química é uma doença, que pode entrar na vida mesmo daqueles que imaginam estar imunes a ela. Trata-se de enfermidade grave, com repercussões na vida do dependente, já que modifica o modo que ele percebe o mundo, as pessoas que o cercam e a sua própria relação com a droga. São condições que dificultam o enfrentamento da doença.

Efeito danoso evidente é a perda de controle sobre o uso das substâncias psicoativas, com prejuízos comportamentais que, em situações limites, impulsionam comportamentos perigosos, seja o envolvimento com ações ilícitas ou o descuido com a própria saúde. A dependência química também impõe consequências ao corpo, podendo catalisar ou mesmo causar doenças graves como o câncer, problemas cardíacos, hepáticos ou sintomas como impotência sexual, falta de energia ou tendência para o suicídio.

Ampliação recente do atendimento especializado na rede pública de saúde do Município de Fortaleza deu uma mostra da demanda. O aumento percentual de pessoas atendidas chegou a 290,4%, quando comparados os períodos de 2017 e 2018. A explicação está no maior acesso a oportunidades de tratamento neste intervalo de tempo. Há dois anos, 125 dependentes químicos foram encaminhados para a única Unidade de Acolhimento (UA) então existente na Capital. No ano seguinte, com a inauguração de quatro novos equipamentos do tipo, somaram-se 488 acolhimentos nas cinco unidades.

As UAs integram a Rede de Atenção Psicossocial (Raps) da Secretaria Municipal da Saúde (SMS). Os equipamentos são voltados para dependentes de álcool e outras drogas, de ambos os sexos, que apresentem vulnerabilidade social e/ou familiar acentuada, e para os quais seja indicado acompanhamento terapêutico e proteção temporária.

Tratamentos do gênero exigem investimentos elevados, que nem sempre estão ao alcance daqueles que necessitam acessá-los. É importante, pois, reforço na atenção dada pelo poder pública - em suas três instâncias - para enfrentar de forma eficiente este grave problema social e de saúde pública.


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