Editorial: Quando a lei alerta

Fortaleza tinha, no início deste ano, segundo registro do Diário do Nordeste, cerca de 74 mil imóveis enquadrados nos critérios de exigência de inspeção predial estabelecidos em lei que passou a vigorar em 2012. A informação foi tornada pública, na época, pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Ceará (Crea-CE). O jornal ainda apurou, na ocasião, que a Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) havia, desde quando começou a aplicação da referida lei, regulamentada em 2015, emitido menos de mil certificados de inspeção.

A legislação municipal determina perícia em todos os prédios residenciais com três ou mais pavimentos, edifícios comerciais, recreativos, religiosos, educacionais, públicos ou privados, "assim como qualquer edificação que tenha projeção de marquise ou varanda sobre o passeio". Essas regras foram regulamentadas sob críticas intensas de quem, inclusive nos plenários, as condenava como excessivas ou irreais para a conjuntura da cidade.

Foi nesse cenário, legal e urbano, que ontem desabou um prédio de apartamentos de sete andares no Bairro Dionísio Torres. Pode-se dizer que, como o dispositivo legal já não pode mais ser classificado como novidade ou surpresa, o que ocorreu com o Edifício Andrea foi uma tragédia anunciada. Não no sentido específico dos desgastes que porventura havia na edificação construída na década de 1970, mas pela postura reativa que muitas vezes a sociedade tem diante do que é prudente e aconselhável.

Afinal, quantos imóveis reclamam reformas, como o edifício que ruiu? Ou, antes mesmo, quantos exigem vistorias urgentes, com necessários reparos? Eis aí onde mora o perigo - literalmente.

Além do episódio de ontem, verificou-se em 2015 a queda da varanda de um apartamento na Rua Ana Bilhar, no bairro Meireles, causando a morte de um operário, e em junho passado o desabamento parcial de um prédio no bairro da Maraponga. Em ambos os casos, foi necessária a demolição como saída para prevenir mais danos.

Tem-se, então, uma sequência de ocorrências graves que, tivesse havido a inspeção no tempo devido, poderia ter sido evitada, assim como poderiam ter sido salvas vidas e propriedades.

Não se pode, nem se deve, julgar como indevida a eventual grita dos cidadãos contra custos definidos pelo Poder Público. Mas não se trata, no caso específico das edificações, de questão meramente pecuniária. Trata-se, sim, de uma questão moral e que, com esse caráter, determina zelo e atenção especiais.

As reclamações, e se essas partem da inquietação social, precisarão ser invariavelmente apreciadas pelas gestões, uma vez que têm legitimidade. Podem nem ser sempre cabíveis, até porque a opinião pública já se provou sujeita a falhas, como a história ensina.

Avalie-se, portanto, que há dois elementos que se completam ou servem de nêmesis entre si: de um lado, a irregularidade, voluntária ou não, do outro a lei. Uma explica a outra, até mesmo como oposição filosófica. Uma é a doença, a outra é a cura.

É possível dizer que, antes dos desastres, a legislação tem o potencial de servir como sinal de alerta ou de escudo para que o cidadão se proteja.

Que se cumpra, pois, a lei.


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