Editorial: Problemas futuros

Para aprovar a proposta de reforma da Previdência elaborada pela equipe econômica do Governo Federal, o presidente Jair Bolsonaro e seus aliados precisarão atuar de incisiva e precisa em duas frentes. A primeira, sobre a qual muito já se falou, é a institucional, que inclui o longo e tortuoso caminho que se espera nas casas legislativas, mas também deve contemplar o Judiciário. A outra é o que se pode chamar de opinião pública, de abrangência colossal, incluindo desde o cidadão comum até setores da sociedade civil organizada, seja em torno de pautas políticas ou econômicas.

No primeiro território, a equipe governamental deve adentrar capacitada de habilidades políticas. E, por mais que a atual gestão defenda, repetidamente, uma "nova política", a política do Congresso Nacional obedece às tendências que se pode chamar de tradicionais. Em certa medida, valem em todo o mundo. Os objetivos são claros: garantir o efetivo apoio de aliados, convencer indecisos e minimizar o efeito das ações da oposição. Para cumprir tais metas, o governo precisa de lideranças experientes e capacitadas no fazer político.

O segundo campo de atuação é mais vago. E, mesmo de forma generalista, é difícil falar sobre qual o caminho a ser seguido e quais competências devem ser evocadas para se alcançar os objetivos estabelecidos. Se no Congresso Nacional há uma matemática, com um número certo de votos a serem garantidos, no território da opinião pública observa-se toda sorte de desproporção. Setores econômicos, categorias profissionais, movimentos sociais, dentre outras forças, fazem pressão e exercem influência nos votos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Além disso, a relação é menos pontual e pode afetar os índices de aprovação do Governo. Os efeitos são imprevisíveis.

Enquanto tenta passar o texto da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma da Previdência pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), da Câmara dos Deputados, o Governo começa a se mexer para mobilizar os outros setores da sociedade. Mostra disso foi o recente estudo divulgado pela Secretaria de Política Econômica (SPE), do Ministério da Economia, tentando traduzir o peso da Previdência e seus efeitos negativos nas contas públicas. O ministro da Economia, Paulo Guedes, costuma falar que sem a reforma, nada poderá ser feito. A pesquisa deixa mais claro o que ele quer dizer.

No ritmo em que avança, a dívida bruta chegará a 102,3% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2023. No ano passado, ela ficou em 77,1% do PIB. Caso aprove a reforma, a União veria a dívida começar a cair, em relação ao PIB, a partir de 2021, recuando para 76,1% em quatro anos. Se tudo ficar como está, a Secretaria de Política Econômica projeta que, já no próximo ano, o Governo Federal teria dificuldade de pagar salários e benefícios e, até 2023, seriam sentidos os impactos na saúde, educação e segurança.

Traduzir o problema dessa forma é ir além da retórica. Claro, ainda há muitas contas a serem feitas, impactos que uma reforma feita às pressas e sem discussão poderia fazer sentir fortemente em alguns anos. Acerta o Governo se seguir o caminho da transparência e do diálogo. O cidadão tem o direito de opinar sobre os rumos de uma mudança tão drástica e importante quanto a que se almeja.


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