Editorial: Os dois lados do futuro

A velocidade das transformações sociais e tecnológicas do tempo presente parece ter posto em xeque a validade dos relógios e calendários. As preocupações com o futuro se tornam, do dia para a noite, em emergências que exigem respostas vigorosas. Esta é uma tendência particularmente incômoda no mundo do trabalho.

Felizmente, parece ter razão William Gibson, escritor e intelectual com talento para a futurologia e arguto na leitura de quadros sociais. Segundo ele, o futuro já chegou, mas ainda não está uniformemente distribuído. A máxima pode ser lida como um prognóstico pessimista, denunciando descompassos e atrasos e, por uma ótica positiva, como o alerta para uma oportunidade, a beneficiar aqueles que, entrevendo as consequências do futuro, podem se preparar melhor para elas.

Relatório da Comissão Global sobre o Futuro do Trabalho, equipe transdisciplinar da Organização Internacional do Trabalho (OIT), publicado em janeiro deste ano, aponta que dois terços dos empregos existentes em países em desenvolvimento são suscetíveis à automação no futuro próximo. Um diagnóstico de 2017 do Instituto Global McKinsey já havia documentado o atual e avançado estágio desta tendência. Segundo o estudo, 60% de todas as ocupações já pode ser parcialmente automatizado. Um terço das atividades destes trabalhos podem ser tecnologicamente substituídas a qualquer momento.

Caso políticas públicas não sejam implementadas para contornar o problema, de forma criativa, a situação de jovens que não encontram espaço no mundo do trabalho deve se agravar. Hoje, o Ceará conta com cerca de 600 mil jovens na categoria chamada Nem-Nem (a condição daqueles que Não Estudam e Não Trabalham). Não são casos de recusa ao trabalho, tampouco da falta de necessidade de uma atividade remunerada. Uma das consequências sociais deste problema é o direcionamento de muitas destas pessoas ao trabalho precarizado ou ao ingresso em facções criminosas, realidades onerosas para a sociedade em qualquer perspectiva.

A saída é, cada vez mais, a educação e a capacitação especializada, tendo em vistas atender aos muitos desafios que o mundo do trabalho já oferece, com demandas não inteiramente distribuídas, mas que certamente chegarão uma hora, mesmo nos mais distantes rincões. Trata-se de uma necessidade que se coloca como imperativo, individual e coletivo, privado e público. Afinal, a União, os estados e municípios têm que ter claro o tipo de trabalho que querem abrigados em seus territórios. As novas tecnologias eliminaram ocupações, mas criarão outras. E essa é uma oportunidade a ser avaliada e na qual se deve investir.

A OIT calcula que o impacto de ações mais responsáveis para conter, mundialmente, as mudanças climáticas terá consequências positivas no mundo do trabalho. O estudo prevê que, com a diminuição do uso de combustíveis fósseis, haverá uma perda de 6 milhões de empregos. Contudo, outros 24 milhões de postos serão gerados. Não serão os mesmos e exigirão pessoas mais capacitadas para desempenhá-los.

Cabe à sociedade, e ao Estado, escolher de que lado do futuro quer estar: aquele que chega antes ou o que vem depois, com o ônus do atraso.


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