Editorial: O Resgate da Harmonia

Além da pandemia do novo coronavírus, o Brasil enfrenta, desafortunada e simultaneamente, uma epidemia que ciclicamente surge para atacar o seu organismo institucional - a das tensões políticas. Em 1992, o presidente Collor de Melo deixou o poder ao fim de um processo de impeachment por corrupção. Vinte e quatro anos depois, a presidente Dilma Rousseff também deixou o cargo mais alto do Executivo por haver autorizado despesas do Tesouro Nacional não previstas no Orçamento Geral da União - as chamadas "pedaladas fiscais". Agora, no espaço de uma semana, o presidente Jair Bolsonaro poderá enfrentar a mesma "via crucis", caso não contenha a crise política instalada no País.

Em meio ao enfrentamento de uma gravidade da crise sanitária, com consequências econômicas de grande monta, o presidente Jair Bolsonaro demitiu dois de seus ministros mais populares. Primeiro foi o homem de frente de combate à Covid-19, Luiz Henrique Mandetta (ministro da Saúde), com quem teve uma série de atritos na condução dos trabalhos de contenção à pandemia. Na semana passada, foi a vez do ministro da Justiça e da Segurança Pública, um dos bastiões do prometido combate ao crime organizado e à corrupção, bandeiras de Bolsonaro na campanha eleitoral.

O impacto destas saídas se faz sentir não apenas na administração destas respectivas áreas. Têm ressonâncias políticas e movimenta as forças partidárias, tanto as que estão na base de apoio ao Governo como as que lhe fazem oposição. A tensão ainda passa pela relação dos três poderes da República e, claro, chega à percepção do cidadão quanto à atuação na crise. Ter um imbróglio político no centro das atenções, quando se enfrenta uma pandemia, não é o que o Brasil precisa.

Na ânsia de acelerar a retomada das atividades econômicas, uma equipe do Planalto passou a elaborar um plano de investimentos denominado "Pró Brasil". Aparentemente, a ideia passa ao largo do que vinha sendo defendido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe de formação liberal, que são resistentes à gastança pública e favoráveis ao investimento privado, via privatizações e concessões de estatais.

Todos dependentes dos bons resultados da economia, os cidadãos brasileiros esperam que o Palácio do Planalto conduza, com o máximo de habilidade e precisão, os movimentos destes dois grupos que buscam soluções para o impasse: a equipe do "Pró Brasil", atenta a resultados rápidos, e o Ministério da Economia, que não pode perder de vista seu plano de longo alcance, anterior à pandemia. Demonstrar firmeza e agilidade das ações, bem como harmonia da equipe, é fundamental para a relação do Governo com os agentes econômicos e para tranquilizar o mercado, já com motivos de sobra para ser reticente quanto ao futuro.

O sombrio túnel que o mundo atravessa - e, por óbvio, também o Brasil - ainda está longe de revelar a luz, distante que se está de seu término. Sem abdicar dos valores democráticos e do espírito crítico, as divergências precisam ser superadas e o diálogo ser uma via sem interrupções. Depende disso não apenas o futuro, como o presente do Brasil e dos brasileiros.


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