Editorial: O que virá em seguida

Economistas, cientistas, sociólogos e pensadores de todo o mundo debruçam-se em estudos e análises sobre o que já se denomina "pós-guerra" - a guerra que se trava é esta contra a pandemia de Covid-19. E projetam cenários sobre o novo tempo que emergirá depois que a ciência descobrir a vacina contra esta peste nova, potente e mortal. Na Alemanha, o Instituto do Futuro, uma consultoria internacional em tendências e inovação, criou quatro cenários, resumidos pelo brasileiro Bráulio Medina, consultor de grandes corporações.

O primeiro dos cenários aponta para o surgimento de uma sociedade super segura, a tal ponto que, para entrar no trem do metrô, bastará à pessoa escanear um chip incrustado no pulso, o mesmo que servirá para transmitir seus dados de saúde a quem se interessar por eles. No mesmo cenário, desenha-se a necessidade do visto diplomático para a entrada e saída de um país, o que leva à conclusão de que se aproxima a sociedade super segura.

No segundo cenário, surgem o choque dos interesses nacionais e o modo de crise permanente, pondo em dúvida a cooperação entre nações. O medo de nova pandemia torna-se gatilho para medidas radicais, como fechamento de fronteiras e defesa dos recursos nacionais. Assim, o mundo caminha de forma tensa em direção ao futuro, tornando-se frequentes as fricções na ordem mundial multipolar. O "nearshoring" (terceirização dos processos de negócios) torna-se premissa política, ao tempo em que as cidades tornam-se lugares nervosos, pois concentram os fluxos de dinheiro, serviços e mercadorias.

O terceiro cenário imaginado pelo Instituto do Futuro concebe a sociedade globalizada de retorno a estruturas mais locais. Pequenas sociedades emergem. Sustentabilidade e uma "cultura de nosso povo" (we-culture) tornam-se valores importantes, mas pensados localmente, não globalmente. Escaldada pelos efeitos do novo coronavírus, a sociedade privilegiará o convívio privado, dando valor aos vizinhos e construindo uma relação mais próxima, chegando a trocar suprimentos entre si num gesto de solidariedade que marcará o novo tempo.

No quarto cenário, vislumbram-se os novos padrões de consumo. A sociedade mais atenta à origem dos alimentos, cujo rastreamento será prática corriqueira por meio da tecnologia. Surgem as redes de varejo "mais sábias". Desaparecem as redes monopolistas, como a Amazon e a Alibaba, substituídas por empreendedores menores. A sociedade distancia-se do consumo de massa "e da mentalidade dos bens descartáveis", e, simultaneamente, passa a considerar como importantes para a saúde humana "o meio ambiente, a cidade, a política e a comunidade global".

Não há dúvida de que, depois desta crise virótica, a vida humana passará por transformações sociais, econômicas e culturais que elegerão novas prioridades e passarão a valorizar o que realmente tem valor, material e espiritualmente. O que, talvez, não mude é o egoísmo de parte das lideranças políticas mundiais.

A pandemia coloca o planeta em território desconhecido. Espera-se, pelo menos, que os paradigmas a serem rompidos após esta tormenta ajudem a mudar as prioridades da sociedade, aproximando-a de valores sociais, econômicos e políticos mais nobres.


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