Editorial: O PREÇO DA DÚVIDA

Corrupção é uma prática corrente na política, ainda que não seja inerente a ela. No Brasil, após sucessivos escândalos, chegou próximo de se tornar seu sinônimo. A pauta agitou debates eleitorais nos períodos democráticos da história do País e, nas últimas eleições gerais, ocupou lugar central. Isso se deu porque, nos anos anteriores, a indignação contra a prática levou muitos às ruas e ao surgimento de movimentos à margem dos partidos políticos.

A indignação alimentou e se alimentou de um sentimento que ainda persiste na população: a desconfiança. A dúvida não pode ser tomada por prova acusatória, suficiente para levar à condenação. Ela pode ser desfeita, confirmando ou refutando a hipótese que a alimenta. Contudo, dar margem à desconfiança é ruim para o sistema político.

A descrença nas instituições cobra preços altos à democracia. Reforçar os pilares institucionais do País é dever de todos, e aqueles que fazem a administração pública ocupam lugar privilegiado para dar sua contribuição.

Antes de se clamar por mudanças nem sempre razoáveis, é fundamental conhecer os dispositivos já existentes para combater a corrupção e, com ela, a desconfiança. Um deles é a Lei Complementar 131 ou, de forma mais sugestiva, Lei da Transparência.

Sancionada há 10 anos, ela torna obrigatória a divulgação, em tempo real, de gastos e investimentos da União, dos estados e municípios. A internet foi o canal escolhido para concentrar as informações, pela facilidade de publicação e de acesso. O descumprimento da legislação pode ser denunciado pelo cidadão ou entidades da sociedade civil organizada, aos tribunais de contas dos estados ou ao Ministério Público.

No Ceará, o Tribunal de Contas do Estado divulgou dados de monitoramento dos portais de transparência municipais, referentes a 2018. É adotado o Índice de Transparência Municipal (ITM), pontuação de zero a 10, conferida pela Corte aos portais das administrações municipais, dos Poderes Executivo e Legislativo dos 184 municípios cearenses.

O balanço geral do último ano foi positivo: prefeituras e câmaras municipais obtiveram média geral de 8,56 e 8,66, respectivamente. Apenas quatro prefeituras e quatro casas legislativas pontuaram abaixo de 7.

Contudo, na lacuna entre a pontuação atual e a excelência de transparência pretendida, faltam informações adequadas sobre investimentos públicos importantes. Entre as prefeituras, 141 não foram claras quanto aos convênios; dentre as câmaras municipais, por sua vez, 106 delas deixam brechas sobre quadros de pessoal. Em princípio, trata-se de problema de informação, mas a falta de clareza pode suscitar questionamentos quanto à lisura destas administrações que, certamente, devem explicações à Corte de Contas.

Mesmo que casos do tipo sejam de menor gravidade - problemas de comunicação -, o efeito da névoa sobre os gastos públicos é nocivo. A administração pública tem, nestas situações, condições de melhorar sua atuação para frear a erosão na relação de confiança entre o cidadão e suas instituições. É mister passar do potencial à prática.


Assuntos Relacionados