Editorial: O interesse público

Adespeito da relevância e da urgência de temas tratados pelos poderes Executivo e Legislativo, a agenda política das últimas semanas tem se pautado, sobretudo, por episódios em que, no centro da questão, se encontram não projetos ou ações voltados para o benefício da população e de seus setores produtivos, mas noções abstratas, como a Ética e a Justiça. Discute-se, por assim dizer, a própria atuação de agentes políticos, eleitos ou nomeados.

A temática não carece de importância, já que a correção da conduta não é mero detalhe na equação que leva às decisões sobre os rumos da sociedade, sejam elas feitas em qualquer das três instâncias do Poder Público brasileiro - municipal, estadual e federal. Contudo, mesmo que necessário, não é um bom sinal que o País, ainda, tenha que dedicar tanto tempo e energia a questões que deveriam ser simples, como o de se observar diretrizes que são incontornáveis, e o são para qualquer cidadão, independentemente do cargo ocupado.

A Constituição Federal, de 1988, é a lei maior do Brasil, e não se submete a nenhuma outra lei, muito menos àquelas informais, que nascem de interpretações pessoais e se sustentam em acrobacias argumentativas. O Código Civil brasileiro, de 2002, também impõe limites, para o melhor e mais justo convívio social de todos.

Ambos são textos complexos e extensos, abrangentes e detalhistas em sua missão de ordenar a vida em sociedade. Mas, por vezes, o que se desrespeita nos espaços da política é ainda mais elementar: a ética como respeito ao outro e ao que lhe é de direito. E, ressalte-se, nesse caso, o outro é tanto o colega cujo convívio é imposto pelo ofício que se desempenha, como a própria população a que se serve.

A democracia brasileira tem isso como um de seus princípios. Alguém, por vontade própria, pleiteia a escolha pelos seus pares, para que possa assumir a responsabilidade de gerir os interesses públicos. Estes seriam a razão de ser do Estado moderno, visto que o poder nos regimes democráticos atuais emana do povo, e não se estabelece mais por intermédio da força ou em razão de desígnios divinos.

Nesta configuração, não cabe o vício do personalismo, que confunde o lugar que se ocupa - condição eminentemente transitória - como aquele que o ocupa. Quem é escolhido para servir - conforme seu próprio desejo manifesto, seja na forma de candidatura a cargos eletivos, seja na aceitação de nomeação para compor equipes administrativas - não pode fazer o inverso de sua missão, e se servir da estrutura que integra para fins privados.

Se o poder emana do povo, como explicita a Constituição, não se pode conceber que agentes políticos ajam conforme interesses pessoais, ignorando aspectos legais e éticos. Uma postura correta e em harmonia com suas funções faz parte das exigências indispensáveis para o desempenho de função pública. É, portanto, o mínimo necessário. Há de se cobrar comportamentos livres de vícios de representantes e servidores da nação. O cidadão deve estar atento a tais desvios, e exigir o cumprimento do que tais cargos demandam. O País já tem demasiados desafios à espera de solução para ficar preso no entretenimento improdutivo da guerra de vaidades.


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