Editorial: O clima que divide

Há algo de estranho no ar. Enquanto representações do governo Federal contestam a tese de que segue em avançado e perigoso ritmo a escalada do aquecimento global, incluindo o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), um grupo de governadores põe-se favoravelmente ao cumprimento do Acordo de Paris (rejeitado pelo presidente Jair Bolsonaro antes mesmo da posse).

No Fórum Brasileiro de Mudanças do Clima, governadores de 11 estados anunciaram o compromisso com metas de redução de emissão de gases, contribuindo para manter o aumento da temperatura média global abaixo de 2°C, em relação aos níveis pré-industriais. A lista é heterogênea, pois inclui estados alinhados com o Governo Federal – caso de São Paulo e do Paraná –, mas não traz como signatários de partidos da oposição – e o Ceará é uma dessas ausências. 

O descompasso entre níveis distintos de gestão pública chama atenção pela falta de harmonia, mas também pela sinalização de que a carência de políticas federais no campo ambiental possa ser compensada por medidas nos estados.

Em 2015, o Brasil aderiu ao Acordo de Paris, no qual outros 194 países pactuaram a redução da emissão de gases causadores de efeito estufa. Trata-se de um protocolo entre nações representadas na ONU, na Convenção-Quadro Sobre a Mudança do Clima, incluindo China, Rússia, Índia, Japão, Alemanha, Canadá, Coreia do Sul e México. As nações se comprometeram a entregar a chamada Contribuição Nacionalmente Determinada, com medidas a serem adotadas.

Os EUA são contrários às medidas do tratado e já anunciaram que deixarão o acordo, tendo prazo até 2020 para efetivar a saída.

A Contribuição do Brasil foi definida e entregue ao Acordo de Paris em setembro de 2015, ainda na gestão de Dilma Rousseff, estabelecendo o compromisso de restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de matas, além de se chegar ao ano de 2025 com níveis de emissão de gases de efeito estufa 37% abaixo do registrado em 2005. 

O documento determina, ainda, a meta de que em 2030 a proporção deverá alcançar 43%. Para tanto, o País precisaria assegurar que sua matriz energética fosse formada por 18% de bioenergia sustentável e 45% de energias renováveis. 

É legítimo avaliar o posicionamento dos governadores como um gesto político, mas não no contexto dos embates partidários brasileiros. Não é, portanto, um gesto de confronto com a opinião do presidente da República, mas de apoio à mitigação das graves perspectivas que vêm sendo projetadas para o clima. E é importante que se ouça essa voz, fugindo da visão simplista, de uns, de que seu impacto econômico é negativo.

O Ceará, que sofre seguida e secularmente com os efeitos da seca, conhece bem a irregularidade do clima e pode ser referência em demandas respectivas a temas assim. Tanto que está elaborando, por meio da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e do Fórum Estadual de Mudanças Climáticas e Biodiversidade, um Plano de Mudanças Climáticas. 

O necessário é o aprofundamento das análises, a qualificação dos estudos e a capacitação dos formuladores de políticas. De outro modo, corre-se o risco de se enfrentar um clima futuro imponderável, desequilibrado, improdutivo e, sem dúvidas, ameaçador.