Editorial: O absurdo fora do campo

Mortes violentas de torcedores de clubes de futebol, em ataques ou confrontos com rivais, não são uma novidade e, infelizmente, tampouco são raros em todas as partes do País. O absurdo da situação, contudo, não permite que eles cessem de ser chocantes e desestabilizadores. Podem ser explicados - e áreas como a sociologia e a criminologia já se dedicaram a tais desvios de conduta -, mas não se encontra justificava minimamente razoável que caiba a eles.

No caso mais recente, ocorrido no Ceará, a vítima era pouco mais do que uma criança. Com apenas 15 anos, o torcedor que, acompanhado por três amigos, foi brutalizado com pauladas e golpes de barras de ferro. Os quatro retornavam para suas residências, num bairro da periferia de Fortaleza, quando foram surpreendidos com violento ataque, ao descerem do coletivo. O adolescente resistiu ainda dois dias à gravidade dos ferimentos, mas faleceu.

A narrativa que se sustenta, ainda com o crime em fase de investigações, é que o quarteto de amigos foi atacado por um grupo de uma torcida rival. Os que as testemunhas deram conta é que os agressores aguardaram as vítimas dentro de veículos, estacionados próximo à parada de ônibus, em dia de jogo. O detalhe diz muito da natureza do crime, de forma a afastar qualquer leitura que seja capaz de abrandá-lo e de conferir a ele nome que não tem.

Trata-se de ato de barbárie, que se vale do esporte e das paixões que ele desperta apenas para encontrar arremedo de razão, ocultando os motivos e impulsos vis, e outros interesses criminosos aos quais atos do gênero são úteis. A associação que se faz com o futebol, por conta da participação de integrantes de torcidas, é demasiado tênue.

O ataque premeditado, cometido de maneira covarde e traiçoeira, está distante das alterações de ânimo que as paixões por este esporte motivam em alguns de seus torcedores. Não se trata do resultado de destempero momentâneo, motivado por desentendimentos fúteis, ainda que corriqueiros. O que se vê é o resultado de uma tomada de decisão e a arquitetura de um crime grave.

É longo o caminho para tornar episódios como esse memórias sinistras restritas ao passado. A indignação popular, inflamada tanto pelo caso recente, como pelo cansaço provocado pela repetição deste tipo de crime, amplifica o clamor por respostas rápidas e duras, a serem dadas pelas autoridades públicas.

Não há dúvidas de que os crimes cometidos no contexto de distorção da rivalidade esportiva devem ser confrontados e combatidos, no âmbito da articulação entre as forças de Segurança Pública com o Sistema de Justiça. O uso de inteligência policial é fundamental, para evitar que o mais grave aconteça e desarticular os grupos que atuam neste meio.

Contudo, a resolução envolve ações e transformações em outras áreas. Tem a ver com mudança de hábitos e rejeição, por parte da população, de comportamentos incompatíveis com o espírito esportivo. Esporte e violência não mantêm uma relação de interdependência. Não apenas podem, como devem ser dissociados. É papel das torcidas e defensores não compactuar com aqueles que, se pretendendo seus pares, estão interessados na agitação do ódio, em vez da paixão pela arte dos campos.