Editorial: Lições de Justiça

Comoção pública se seguiu à notícia de que um jovem, preso há cinco anos, teria seu caso levado a tribunal de revisão penal nas Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça do Ceará. Defensoria Pública do Estado do Ceará e Innocence Project Brasil, responsáveis pela defesa, sustentaram a tese de que o encarcerado não seria o real autor dos crimes de que era acusado. Provas e laudos periciais foram evocados para reverter o caso. A inocência foi reconhecida, a pena extinta e o apenado recuperou a liberdade.

Não há dúvidas de que, pelas vias legais, o inocente possa buscar retratação da injustiça contra ele cometida. Alguns prejuízos, como os anos perdidos no cárcere, são mesmo irreparáveis. A história, daqui para frente, é estritamente pessoal, íntima,  merece a privacidade que foi negada por tanto tempo, quando sua imagem pessoal e condição de cidadão honesto foram substituídas pela alcunha de “maníaco”, que destacava a perversidade e o descontrole do verdadeiro autor dos crimes hediondos.

Entretanto, há também uma dimensão social no caso. Esta vai muito além do interesse humano da notícia e a esperada solidariedade da população para com um de seus pares, punido indevidamente. A história de reparação da injustiça é exemplar, no sentido do que tem a ensinar, oferecendo muitas lições de justiça, indispensáveis não apenas ao Judiciário, em seu esforço necessário e constante de se aperfeiçoar, como para toda a  população, que faz cobranças e projeta sobre os operadores do Direito seus anseios e expectativas de justiça.

A principal delas é a de que a Justiça deve ser dissociada das paixões. O ímpeto e a urgência daqueles que exigem respostas assertivas, rápidas e enérgicas não podem turvar as lentes da razão pelas quais o Estado deve enxergar a conduta de homens e mulheres.

Acossado pela violência, em tempos de facções interestaduais que disputam belicosamente por territórios, e pela iniquidade daqueles que desprezam os valores coletivos, o cidadão reage com revolta. É compreensível sua exaltação. O Estado não pode fazer ouvidos moucos à situação e ao clamor por mudanças, mas tampouco deve permitir se contaminar pelo ânimo que põe a emoção à frente da razão. Como o médico não se guia pelo ódio à doença, adotando postura sóbria, fria até, e precisa na tentativa de livrar o paciente do mal que o aflige. Assim deve atuar todo aquele que integra as forças de repressão e os instrumentos de justiça de uma sociedade. É preciso ser cirúrgico. 

A cegueira, presente nas personificações da Justiça, traduz não a incapacidade de enxergar o que tem diante de si, mas a imparcialidade, a igualdade de todos perante a lei. Para tal, é preciso se livrar de preconceitos, da tentação dos julgamentos prévios que ignoram os alertas da dúvida e o direito de todos à defesa.

A força empregada pelo Estado em suas sanções deve sempre ser regulada conforme a necessidade, medida caso a caso. Ser duro, sim, mas apenas quando necessário. Adotar sempre a mesma medida é ignorar a diferença dos fatos e incorrer em desproporção. 
A balança, um dos símbolos da Justiça, lembra que ela almeja a equivalência entre a responsabilidade e a punição: o equilíbrio.


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