Editorial: Leitura descontínua

Parecia inevitável a aproximação: não faltou quem, nos primeiros dias da XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará, notasse o paradoxo de que a maior biblioteca pública do Estado seguisse de portas fechadas. O fio que liga o evento ao equipamento é não apenas a centralidade da cultura livresca e de sua importância para o incentivo à leitura, mas também o de partilharem o mesmo responsável: o Governo Estadual, por meio de sua Secretaria da Cultura (Secult).

Deve-se resistir a tentação das soluções simplórias, daqueles que tomam a administração pública por um tipo de ordenamento não distante da arrumação de um cômodo, em que troca-se, com facilidade, a posição dos móveis. Não é simples tirar o recurso de um lugar e realocá-lo em outro, deixar de realizar determinada ação para se priorizar a execução de outra.

No caso em questão, não se deve opor a Bienal à Biblioteca, como se uma escolha estivesse em questão e uma tomada como mais importante, e a outra, por prescindível. Entre os muitos motivos para se evitar o infrutífero debate, seria o suficiente citar o caráter fundamental da leitura para o desprovimento pleno de uma sociedade e o imperativo de garantir à cultura os recursos necessários para o funcionamento de suas instituições, que desempenham papel estruturante em qualquer civilização.

No contexto das políticas públicas, a leitura costuma ser tratada nas pastas responsáveis pela Cultura e pela Educação. Destas unidades administrativas, originam-se ações de incentivo à prática. Contudo, é fato que sua importância supera e muito os limites destes dois campos. Não se pode imaginar o desenvolvimento de uma sociedade avessa aos livros e divorciada do hábito da leitura.

As nações mais prósperas - considerando não apenas suas performances econômicas, mas também no que toca aos quesitos de igualdade, justiça social e bem-estar dos cidadãos - invariavelmente apresentam índices elevados de leitura, patamar que o Brasil ainda está longe de alcançar. É área, pois, que precisa de incremento e não de retração. Bienais do livro, festas e feiras literárias alimentam um mercado cujos benefícios sociais vão além do que dizem as métricas econômicas.

Dito isso, é mister salientar que a situação da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel seja resolvida com a máxima urgência. Criado em 1867, o equipamento cultural estava de portas fechadas quando de seu 150° aniversário. Já se passaram cinco anos desde que suspendeu suas atividades e deixou de receber em sua sede, funcionando de forma provisória e incompleta em outro lugar. O motivo era o de se operar reformas e modernização, que seguem inconclusas.

O Estado justifica o atraso pelos entraves próprios da burocracia que amarra a administração pública e a complexidade da empreitada. Não se pode duvidar da presença destes obstáculos, mas deve-se lembrar que não se trata de um processo em sua fase inicial, tendo-se iniciado há cinco anos, tempo em que o provisório toma ares de permanente, enquanto um prazo de reabertura não for dado e, mais do que isso, cumprido.