Editorial: Grupos vulneráveis

Estudo epidemiológico do Ministério da Saúde, levando em consideração dados de três anos, dá uma mostra do nível de insegurança em que vive a população em situação de rua no Estado. Levando-se em conta apenas as notificações, uma pessoa nessas condições é agredida a cada quatro dias. O quadro é, potencialmente, pior, visto que a exclusão social e os problemas legais de partes dos indivíduos dessa parcela da sociedade tendem a diminuir o número de registros de casos do tipo nos meios legais.

A constante é a fragilidade do lugar ocupado por essa população na cidade, sem as mínimas condições de dignidade – incluindo, na lista de carências, a garantia de sua integridade física. As variáveis sãos os protagonistas das agressões: desde rivais na disputa por territórios, na precária economia de quem vive como flanelinha ou da mendicância, por exemplo; passando pela violência institucional, das forças de segurança pública, municipal e estadual; até os casos de sofrimento autoinfligido. 

No cotidiano da Capital e do interior do Estado, o problema das agressões à população em situação se soma a outros, que têm em seu centro setores da sociedade que, com ela, partilham da exclusão. São noticiadas, com frequência, violências – por vezes fatais – contra grupos vulneráveis – categoria heterogênea que inclui mulheres, crianças e adolescentes, idosos, população em situação de rua, pessoas com deficiência ou sofrimento mental e comunidade LGBTQI+.

Na última semana, a agressão – de filmagem do ato – a uma travesti, em Iguatu; e o assassinato de outra, em Horizonte, pareciam repetir outras histórias, vistas com frequência. O mesmo se dá com os sucessivos casos de feminicídio, que parecem versões perversas do que já se testemunhou à exaustão. O número de processos pendentes de julgamento, em crimes do tipo, dobrou no Ceará, em três anos, em mais um indicativo de que se assiste à escalada de mortes de mulheres, motivados por ódio ao gênero.

Fenômeno transversal perpassa cada um destes quadros. Trata-se da ascensão de organizações criminosas, hoje interestaduais, que controlam territórios e impõem seu domínio pelo uso da violência. Contudo, é insuficiente para explicar as tensões, agressões e mortes notificadas – e os feminicídios, antes rotulados como “passionais”, são o exemplo mais evidente disso.

Se o combate ao crime organizado já é adversidade das mais complexas e difíceis de se combater, os casos que escapam dessa rubrica demandam ações ainda mais complexas, e o comprometimento não apenas do Estado, mas de toda a sociedade com mudanças a serem operadas no dia a dia.

O obstáculo a uma vida civilizada, em que as exceções sejam cada vez menos numerosas, é a cultura que normaliza atos que são ética, moral e legalmente reprováveis. A misoginia, o racismo e o arraigado preconceito de classes fazem com que a violência direta e estrutural seja sentida como menos não errada ou até mesmo correta.

Deve-se afirmar, em todos os ambientes, sempre e intensamente, os valores humanistas da sociedade e os valorosos princípios constitucionais. O que foge deles deve ser reprovado com igual veemência, em consonância com punição exemplar de agressores e a garantia dos direitos aos grupos vulneráveis.