Editorial: Fortaleza Solidária

Solidariedade. Os dicionários definem a intenção e o gesto como "o caráter, condição ou estado de solidário". Num sentido bem mais específico, as publicações indicam que se trata de "compromisso pelo qual as pessoas se obrigam umas às outras e cada uma delas a todas". Já o verbete "solidário" refere-se àquele "pronto a consolar, apoiar, auxiliar, defender ou acompanhar alguém em alguma contingência". Não se refere obrigatoriamente a aspectos materiais, mas principalmente a manifestações.

Numa explicação muito objetiva e simplificada, solidariedade seria a mera vontade de a pessoa ser produtiva, generosa, sociável. É algo que faz bem, portanto. Fortaleza tem se revestido disso, então.

A tragédia infligida à cidade pelo desabamento do Edifício Andrea, terça-feira passada, não se restringiu às famílias, amigos ou vizinhos. Mais do que isso, o desastre parece ter feito ascender um sentimento de comunidade que nem sempre se põe na superfície da convivência. Parece ter feito ganhar volume uma capacidade de compartilhar esperança e atenção, uma vontade de uns cuidarem dos outros. Poderia-se não precisar do drama para tanto, mas a vida é assim mesmo e costuma ensinar por meios sofridos.

Embora haja uma mobilização por doações em igrejas e outras instituições, não seria justo vincular unicamente a dedicação solidária a fundamentos religiosos. Afinal, há quem veja no desprendimento e no desapego atos políticos. Ou menções filosóficas. Ou decisões morais. Ou, sobretudo, princípios humanos.

Existe um espírito tão abrangente em forma e conteúdo que mesmo a Constituição Federal, um documento jurídico e às vezes frio, embora essencial ao Estado e aos cidadãos, lista entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil "construir uma sociedade livre, justa e solidária", "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais" e "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação". A Carta determina, ainda, que a Nação se rege em suas relações internacionais pela "cooperação entre os povos para o progresso da humanidade". O que é isso, se não a solidariedade?

Torna-se dispensável lembrar que a sociedade pode ser solidária sem necessitar de provações tão doídas quanto a do Edifício Andréa, na qual perderam-se vidas e bens, ou mesmo do Edifício Benedito Cunha, no Bairro da Maraponga, que ruiu parcialmente em junho último e teve de ser demolido, causando - o que já é muito e expressivo - prejuízos materiais. Não se trata de imposição, mas de escolha. É preciso, porém, que olhe para si, suas demandas e suas obrigações com empatia e respeito.

É a propósito disso que podemos recorrer a Tomás de Celano (1200-1265), frade católico, da Ordem dos Franciscanos, poeta e biógrafo de São Francisco de Assis. São de Celano as seguintes palavras sobre o inspirador do ramo que seguiu:

"Já que a força do amor tinha feito dele um irmão das outras criaturas, não nos admiraremos de que a caridade de Cristo tenha feito dele um irmão ainda maior daqueles que foram distinguidos pela semelhança com o Criador".


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