Editorial: FGTS e a disparidade social

Há dois anos, havia no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) 99,7 milhões de contas ativas e 154 milhões de inativas, segundo a Caixa Econômica Federal, responsável por operá-lo. As primeiras tinham um saldo total de R$ 360 bilhões; o saldo das inativas era de R$ 20 bilhões. Esse dinheiro – pertencente aos trabalhadores – tem sido o alicerce dos programas habitacionais do Governo Federal, caso do Minha Casa, Minha Vida. São esses recursos, também, que alavancam o setor industrial da construção civil, empregador intensivo de mão de obra e setor que, longa e duramente, vem sendo castigado pelos efeitos da crise econômica que, desde 2014, aflige o País. 
O Ministério da Economia – preocupado com a paralisia do setor produtivo e, mais ainda, com o desemprego de quase 13 milhões de brasileiros – pretende liberar parte dos recursos do FGTS para aquecer a economia. A ideia do ministro Paulo Guedes e de sua equipe, publicamente apoiada pelo presidente Jair Bolsonaro, é permitir que o trabalhador possa sacar até 35% de sua conta no fundo de garantia para aplicá-los como bem entender.

Projeta a equipe econômica um aquecimento imediato do consumo, em diversas frentes, podendo elevar o PIB deste ano para até 1,1%. Dados do relatório Focus, divulgados pelo Banco Central no começo da semana, mostraram uma contração na previsão de crescimento do PIB deste ano. Passou de 0,82% para 0,81%, enquanto a de inflação apresentou uma curva ascendente, indo de 3,80% para 3,82%.

O otimismo da equipe econômica do Governo pode parece exagerado. E é. O trabalhador brasileiro está endividado, já que os efeitos de uma crise das proporções da que está instalada não pouparia este segmento. Economistas estimam que boa parte do que ele vier a sacar do FTGS será destinado ao pagamento das contas atrasadas ou para aplicação em fundos de melhor remuneração.

Desenhado em 1967 pelo liberal Roberto Campos, em pleno Regime Militar, o FGTS é revelador das disparidades sociais do Brasil: 1% de suas contas pertencem a pessoas de renda mais alta que representam 40% do dinheiro do fundo; 80% delas pertencem a quem recebe o salário mínimo. É fácil imaginar o que cada segmento fará com o que vier a retirar de sua conta no fundo: a minoria privilegiará o rentismo, a maioria buscará uma saída para o seu drama pessoal da inadimplência.

Como se observa, trata-se de uma questão polêmica. A liderança da construção civil – que tem forte e atuante lobby em Brasília - já advertiu o Palácio do Planalto para a possibilidade de, na efetiva implementação desse plano, faltar dinheiro para o financiamento dos atuais e futuros projetos da casa própria. Essa reação dos construtores, que na noite de quinta-feira, 18, se reuniram com o presidente da República, provocou o adiamento do anúncio das medidas, transferido para a próxima quarta-feira, 24. De tão importantes, elas comporão uma Medida Provisória específica. O Governo, animado com a possibilidade de aprovação das reformas previdenciária e tributária, trabalha para reanimar a economia, o que, no curto prazo, só será possível pela via do consumo – e a liberação de parte do FGTS é a mais fácil e rápida alternativa.


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