Editorial: Famílias endividadas

Um dos mais sensíveis pilares da economia, o das finanças familiares, está gravemente corroído no Brasil. É o que mostram pesquisas da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). O endividamento das famílias teve, em junho, a sexta alta consecutiva. Conforme os dados, o porcentual comprometido chegou a 64% – em maio, era de 63,4%. Trata-se do maior índice desde julho de 2013, quando atingiu a marca de 65,2%. 

A Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic Nacional) é feita, mensalmente, desde 2010, com informações coletadas em todas as capitais e no Distrito Federal. Aproximadamente 18 mil consumidores são entrevistados a cada edição, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Os indicadores da CNC levam em consideração dívidas com cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de lojas, empréstimos pessoais e prestações de carros e de seguros.

O grupo com contas ou dívidas em atraso, no entanto, diminuiu em junho deste ano. Passou de 24,1%, em maio, para 23,6% do total, no mês passado. Ainda assim, estima-se que o endividamento familiar compreenda uma cifra superior a R$ 247 bilhões. O estudo avalia que a tendência de crescimento no contingente de famílias com pendências financeiras não deve durar, podendo estagnar ou mesmo diminuir, uma vez que boa parte já se encontra nos limites do endividamento.

Da parte do Governo Federal, não houve manifestação a respeito das condições das famílias, apesar de o Planalto ter festejado o recuo da inflação, com o índice batendo em 0,01%, em junho deste ano, e de estar envolvido em todos os esforços no que se referiu à votação da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados. É um silêncio que causa apreensão, pois alcança uma larga faixa de população e deixa sem respostas necessidades básicas dos brasileiros. A Previdência Social é, de fato, pauta urgente e da maior importância, mas é preciso estar atento a outras, de impacto imediato na vida dos cidadãos. 

Há um viés desse cenário que, confrontado com a gravidade que alcança alguns, pode parecer promissor. É paradoxal, apesar de retratar nitidamente a tese de que oportunidades podem surgir nos momentos de dificuldades. É o das perspectivas relacionadas a empresas de cobrança. Avalia-se que a soma das contas atrasadas com a instituição do Cadastro Positivo – nova modalidade de acompanhamento, controle e monitoramento de inadimplência por órgãos de crédito – e algumas expectativas de retomada do crescimento econômico do País pode se constituir num ambiente favorável para certas atividades.

O noticiário já dá conta de escritórios que se movimentam diante da tarefa de localizar devedores – o que, embora não pareça tão difícil, tendo em conta os índices elevados, precisa observar regras para não incorrer em excessos e ilegalidades. E devem se orientar pela demanda da produtividade, visto que os resultados dependem da atualização de dados.

Chegar à pessoa ou à empresa ou instituição certa com a abordagem adequada pode significar a diferença entre a frustração e a eficiência de recuperação de crédito. E respeitar a letra da lei é condição irrecorrível nesse processo.


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