Editorial: Elas têm os números

Os dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmaram que as mulheres são maioria na população brasileira. Dos mais de 208 milhões de habitantes do País, 51,6% são mulheres e 48,4%, homens – uma diferença de mais de 4 milhões. O número de mulheres que ultrapassa o da população masculina é maior do que a da população de quase todos os 5.565 municípios brasileiros, ficando atrás apenas São Paulo e do Rio de Janeiro.

Apesar de a proporção ser resultado de uma matemática simples e inequívoca, as mulheres costumam ser tratadas como um grupo minoritário, no que diz respeito a certas questões de políticas públicas específicas para esta parcela da população, em especial aquelas que garantem sua segurança. Não se trata de equívoco dos gestores públicos ou dos ativistas, mas de um reconhecimento de que, apesar de estarem em maioria, as mulheres ainda são submetidas a colocações subalternas em relação aos homens. O problema não é de matemática, mas de uma relação de poder baseada em costumes, crenças e ideologias, calcificadas na estrutura social. Tratam-se de criações coletivas arbitrárias e são, portanto, passíveis de correção.

Que não se pense que tais medidas tenham algo a ver com privilégios. Não faltam outros números que, em caso de uma sociedade mais igualitária, não poderiam registrar tamanho descompasso. Um deles retrata o acúmulo de funções e a sobrecarga de trabalho das mulheres. A mesma pesquisa do IBGE apresentou a média de tempo dedicado aos cuidados de pessoas e/ou afazeres domésticos. A média para os homens é de 10,5 horas semanais; para as mulheres, 18,1 horas por semana. Além da diferença de horas gastas com o serviço doméstico, há ainda um notável desencontro, desfavorável para elas, no que diz respeito aos rendimentos. Considerando todos os trabalhos que uma pessoa possa manter, a média mensal de vencimentos para as mulheres é de R$ 1. 764. Para os homens, é de R$ 2.306.

Estes dados sobre as relações entre economia e gênero são preocupantes, sobretudo quando se leva em conta que um número significativo delas é arrimo de família. Um estudo elaborado pelos demógrafos Suzana Cavenaghi e José Eustáquio Diniz Alves, coordenado pela Escola Nacional de Seguros, mostrou que o número de famílias chefiadas por mulheres mais que dobrou em 15 anos. Atualmente, mais de 30 milhões de lares são sustentados por uma mulher.

Há ainda dados mais perversos. Pela tabulação da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o quinto  em número de femincídios – quando o assassinato se dá pela condição de ser mulher da vítima. Nesses casos, metade dos crimes são cometidos por familiares, um indicativo do grave problema da violência que aflige às mulheres dentro de casa.

Os números estão aí e exigem rigor ético em sua interpretação, para debelar os discursos que querem fazer crer que a igualdade pode passar sem os esforços de políticas públicas fortes e exercício de verdadeira cidadania. No Dia Internacional da Mulher é preciso reafirmar o compromisso, de toda a sociedade, com a direito à cidadania delas e de combater as violências misóginas, de natureza física, psicológica, jurídica ou política. 


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