Editorial: Educação descontinuada

A educação em tempo integral é vista por educadores como uma iniciativa repleta de potenciais. Quando bem planejada e posta em prática, ajuda a desenvolver inúmeras habilidades dos estudantes, algumas delas, inclusive, chegam a ser pouco exploradas na grade curricular tradicional. O estímulo ao fortalecimento das relações sociais, no convívio com profissionais e colegas, é outra das vantagens do projeto.

A partir da concretização de avanços nessas duas frentes, chega-se mais próximo da ideia de formação humana. É algo distante daquilo que se chamou de “educação bancária”, no qual o aluno é visto como tábula rasa, no qual o professor investe seu conhecimento, aprendido de forma acrítica e desvinculada com outras dimensões da vida do estudante. O estímulo intelectual das disciplinas obrigatórias em sala de aula é parte importante no desenvolvimento dos jovens, mas não a única a ser necessária para a criação de ambientes sociais mais saudáveis. As atividades opcionais que fazem parte de muitos dos projetos de escolas de tempo integral complementam o que trazem os currículos básicos.

No contexto histórico atual, quando as relações de produção exigem que pais fiquem mais tempo fora de suas casas, os jovens passarem mais tempo na escola, em jornadas diárias qualificadas, com atividades pedagogicamente pensadas, garante mais tranquilidade doméstica. E o ganho, por parte do estudante, é igualmente factível, dado que troca o ócio sem supervisão adequada em casa ou na rua por atividade direcionada, com acompanhamento profissional.

Pensando na forma deste projeto educacional, deve ser objeto de reflexão o recuo da educação em tempo integral na rede pública de ensino do Estado. Até 2017, falou-se na expansão do formato em todo o Brasil. Entre 2017 e 2018, observou-se uma redução em todo os estados e no Distrito Federal. O Ceará viu 1.138 escolas públicas da educação básica deixarem de ofertar seus turnos adicionais, alinhados com o currículo de disciplinas obrigatórias.

O dado é do Anuário Brasileiro da Educação Básica, levantamento feito pelo Movimento Todos Pela Educação, a partir de informações do Censo Escolar realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O corpus considerado inclui tanto as Escolas Regulares de Tempo Integral (ETIs), como demais instituições que ofertam atividades com jornada diária igual ou superior a 7 horas. Há dois anos, o conjunto correspondia a 56,6% das escolas cearenses; no ano passado, o último com dados consolidados, a proporção era de 39,3% dos estabelecimentos de ensino básico.

A redução está relacionada à descontinuidade nos investimentos de programas de fomento das unidades de ensino de tempo integral nos últimos anos. O programa federal  Mais Educação passou por revisões nessa época. Revisar investimentos, para otimizar o uso de recursos, é imperativo a qualquer administração comprometida com sua missão. Há formas de fazer isso, e ao se estabelecer um método, não se pode perder de vista os custos sociais de eventuais descontinuidades. O caso da educação em tempo integral é exemplo disso. Pelas vantagens oferecidas, demanda reforço nos investimentos, para recuperar e suplantar sua cobertura anterior.


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