Editorial: Dívidas familiares

Nada traduz melhor a crise econômica que o Brasil tenta superar do que o endividamento das famílias. É um problema que se sente em toda sua concretude, sem a necessidade de explicações técnicas de especialistas munidos de dados panorâmicos ou teorias avançadas. Pesa no cotidiano e ameaça travar o dia, o ir e vir; e o acesso a bens e serviços essenciais.

O problema está longe de ser pontual, não apenas pela quantidade de pessoas com as contas fora de compasso, mas porque a economia se comporta como um sistema. O dinheiro que falta às famílias para pagarem suas contas, também falta a outros segmentos, como o comércio, os serviços e a indústria. É, por isso, um problema que transcende a esfera do pessoal. Deve preocupar toda a sociedade e, em especial, o Poder Público. 

Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, encomendada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e divulgada nesta semana, o percentual de famílias brasileiras com dívidas chegou a 62,4% em março. O número confirma um crescimento desse índice, observado desde o fim do ano passado. Estava em 59,8%, em dezembro de 2018; atingiu, em janeiro deste ano, 60,1%; e, em fevereiro, alcançou 61,5% do total. Se constitui como o maior patamar de endividamento familiar registrado desde setembro de 2015.

Em março do ano passado, 61,2% das famílias estavam endividadas. É importante fazer comparações entre períodos semelhantes porque a situação é parcialmente determinada por um fator sazonal. O fim e o começo do ano são épocas em que há uma incidência de gastos extras. É o que explica, por exemplo, uma demanda maior por empréstimos.

O principal canal de endividamento registrado pela pesquisa foi o cartão de créditos: 78% das famílias com dívidas estão em atraso com esse sistema de pagamento eletrônico. Na sequência, vêm os carnês (14,4% dos endividados), seguido pelo financiamento de automóveis (que alcança 10% do total, com um impacto previsível em um segmento com uma fatia tão grande de endividados). São os financiamentos de carros também que têm exercido a maior influência nesta curva ascendente. Nos dois últimos anos, ela teve um crescimento de 39%. Com altos juros bancários, a situação piora e este tipo de endividamento pode trazer mais complicações, já que os agentes financeiros exigem garantias, que podem incluir o confisco do bem.

Outro dado da pesquisa da CNC que merece atenção é o percentual de famílias que não têm condições de pagar suas contas ou dívidas em atraso. O número passou de 9,2% em fevereiro para 9,4% em março. Quando se chega a esse patamar, o devedor já colocou suas cartas na mesa e mostra que não consegue ir além sem uma ajuda externa. São importantes as iniciativas de negociação, para que se recupere o equilíbrio entre fornecedor e comprador e, mais ainda, medidas amplas, conduzidas pelo poder público para mediar o impasse.

Quando tanto o mercado, como o consumidor perdem, o prejuízo também é da sociedade e se irradia, tendo consequências em outras áreas. Os dados são um alerta para o Governo Federal que, sem perder o foco na Previdência, deve ter respostas rápidas e eficientes para outras questões econômicas.


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