Editorial: Crise humanitária na rua

O Conselho dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) classifica a situação de rua como uma crise global, que requer uma resposta na mesma escala, e com urgência. Não é uma adversidade simples de se enfrentar, e mesmo a sua extensão implica em dificuldades para ser reconhecida. Os números são imprecisos, e há razões para isso na própria conceituação do problema, já que uma de suas marcas é a transitoriedade e o nomadismo daqueles que vivem nessa condição.

O Governo Federal, em sua Política Nacional para a População em Situação de Rua (PNPR), define o segmento como um grupo populacional eminentemente heterogêneo, cujos pontos em comum são: a pobreza extrema, os vínculos familiares rompidos ou fragilizados e a falta de moradia convencional regular. Logradouros públicos e áreas degradadas são ocupados. A ideia de moradia não é totalmente adequada, dada a sua utilização de forma provisória e improvisada.

Em seu último senso, que data de 2016, o Governo Federal estimou em 101 mil pessoas a população em situação de rua brasileira. São homens os que correspondem a quase 80% do total. O quadro é semelhante em todas as metrópoles do País, com o desemprego e dependência química funcionando como catalizadores desta condição.

Os números de Fortaleza também carecem de atualização. O último levantamento registrou que mais de 1,7 mil pessoas vivem em situação de rua na Capital. Há de se destacar que o senso da Secretaria Municipal dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social foi realizado em 2015 e, portanto, não documentou os efeitos da crise econômica iniciada naquele ano e ainda não contornada.

Ainda assim, a Prefeitura Municipal de Fortaleza cancelou a realização da segunda edição do Censo sobre a População de Rua, prometido desde 2017. No entendimento do Conselho Municipal de Fortaleza, o estudo seria um gasto desnecessário, por conta da proximidade do próximo Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a ser feito em 2020.

O cancelamento não seria um problema maior, se as dificuldades enfrentadas pela população em situação de rua na cidade estivessem sobre controle. Quatro centros de acolhimento são mantidos pela Prefeitura de Fortaleza, ofertando 230 vagas aos que não têm teto. O número é insuficiente, pois as estimativas mais recentes deram conta de pelo menos 250 pessoas vivendo apenas na Praça do Ferreira, no Centro, um dos locais com maior contingente de indivíduos nesta condição.

Destes equipamentos, o do bairro Benfica funciona de forma precária, e o Ministério Público do Ceará (MPCE) recomendou à gestão municipal que ele fosse fechado, até receber melhorias estruturais. A promessa da Prefeitura ficou no papel, como a de abertura de novos refeitórios e pousada para atender este segmento populacional. Somam-se a outras mazelas cotidianas de quem vive em situação de rua, como a dificuldade de ter acesso a direitos constitucionais, como a saúde e a educação.

A crise global, de que trata a ONU, precisa ser combatida localmente. Para tal, é preciso ter pressa em combatê-las, estrutura adequada e, como tudo na administração pública, um conhecimento preciso do problema.