Editorial: Criação com apego

EDITORIAL

A criação dos filhos é questão que ocupa pais, cuidadores e profissionais que lidam diretamente com as crianças, em especial, aquelas em fases iniciais de desenvolvimento. Engana-se, contudo, quem a restringe aos domínios da intimidade. O desenvolvimento infantil, em todas as suas dimensões, interessa a todo corpo social, pois diz respeito não apenas ao futuro coletivo, como a seu presente, levando em conta os direitos das crianças.

Criação com apego é o tema amplo a ser trabalhado pelo Sistema Verdes Mares ao longo do mês. A abordagem é múltipla. Assim precisa ser dada a abrangência de uma forma de olhar a criação dos filhos que precede o nascimento, segue sem fórmulas fáceis ao longo dos anos de desenvolvimento e, certamente, se manifesta no adulto que participa deste processo e daquele que, anos mais tarde, emergirá dele.

A palavra-chave é apego, que remonta a teorias das áreas da psicologia e da pedagogia, e ocupa pediatras em todo o mundo. Mas seu significado ultrapassa os domínios do acadêmico e do científico, para se inscrever no cotidiano da criança. O fato de não existir criação que prescinda totalmente de apego, implica que, ao se tratar afirmativamente dela, são necessárias uma sensibilidade mais apurada, compreensões menos esquemáticas e disposição para vivenciar e experimentar todo o processo.

Apego é vínculo. Criar sob o signo do apego é compreender essa inexorável realidade, reconhecer sua importância para a garotada e se dispor a ações positivas que inspirem segurança na criança. Não há uma cartilha a ser seguida. O que poderia inspirar insegurança, pela falta de regras mais restritivas, necessita ser visto por lente positiva, já que propicia relações únicas, como precisa ser a convivência entre pais e filhos, cuidadores e crianças.

Há, claro, muito a ser valorizado. O apego é, também, físico: tem a ver com o toque, com o carinho. É essa, também, uma troca emocional, que carece ser complementada com a atenção à criança, entendida como um ser complexo, criativo e com potenciais que lhe são próprios, e têm de ser incentivados, no ritmo do pequeno, sem se tornar para ele um peso.

A criação com apego se contrapõe ao tipo de relação humana mediada pelo consumismo. O "ter" se torna, com frequência, moeda de troca que paga pelo desapego. O preço é mais alto que pode parecer de imediato. O mantra contemporâneo dita um mundo frenético, em permanente estado de alerta, hiper-produtivo e cada vez mais focado no profissional - vide as novas redes sociais com avatares que eliminam o pessoal, em troca de estranhas figuras que são, integralmente profissionais.

Mas é preciso desconfiar das simplificações, e se ter consciência das próprias escolhas. A criação exige que não se negligencie estas responsabilidades. Afinal, há um outro que não pode, sob hipótese alguma, ser ignorado. Há de se priorizar os vínculos, a empatia entre as pessoas, o apego com os seus.

Não faltam exemplos de problemas sociais graves que têm raízes em relações humanas que carecem de referências afetivas. A mudança desses quadros complexos depende de ações, conscientes e afetuosas, no espaço do íntimo.


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