Editorial: Contra as drogas

Comunidades terapêuticas têm estado, ao longo das últimas oito décadas, na lista dos esforços da sociedade civil contra a drogadição. Essas experiências somam recursos da convivência social com os da medicina e de outras atividades da saúde, daí serem apontadas como possibilidades no tratar de pessoas que sofrem de distúrbios em consequência do consumo de substâncias narcóticas. Mas têm, em proporções muito amplas, orientações de grupos religiosos. Há, por esse contexto, quem não as reconheça plenamente como instrumentos para solucionar as demandas do setor.

Um dos suportes das críticas é o de que nelas o aspecto técnico se subordina ao da fé. Isso, em tese, fragilizaria os ganhos dos tratamentos. 

A divisão se expressa, por exemplo, nas casas legislativas. Na Câmara dos Deputados, foi lançada em 2015 uma frente parlamentar com a finalidade de defendê-las, ao tempo em que outra iniciativa proíbe “qualquer modalidade de internação” nessas entidades. A matéria estabelece ainda que o paciente só deve ser internado “excepcionalmente” e invariavelmente em unidades de saúde mediante autorização de um médico. O confronto, como se percebe, é evidente.

Mas, com um distanciamento prudente, pode-se avaliar que o foco principal – a recuperação de pessoas que têm envolvimento com drogas – acaba em segundo plano frente a diferenças políticas. 

O Governo Federal anunciou que, por intermédio do Ministério da Cidadania, planeja ampliar em 2020 o número de vagas em comunidades terapêuticas. Seria uma expansão de 11 mil para 20 mil vagas, determinando para tanto investimentos de R$ 92 milhões. O argumento em favor da medida é a de que, segundo o ministro Osmar Terra, vive-se no País uma “epidemia gravíssima no Brasil” de dependência química.

Não é adequado que se questione o quadro definido pelo ministro. Para se ter noção, pode-se recorrer ao III Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, resultado de estudos de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz. O trabalho apontou que 7,7% dos brasileiros de 12 a 65 anos já consumiram maconha pelo menos uma vez na vida e 3,1% experimentaram cocaína. Não se tratam necessariamente de dependentes, nem um grupo exclui obrigatoriamente o outro, mas as indicações são muito claras: há, sim, um contingente vulnerável e que precisa da atenção do Estado e do terceiro setor.

A pesquisa, que ouviu aproximadamente 17 mil pessoas, revelou ainda que 0,9% da população brasileira já fez uso de crack e similares – substâncias mais baratas e potencialmente mais viciantes. Os números são preocupantes, apesar de o ministro colocá-los em dúvida por considerar que não retratam fielmente “o que se vê nas ruas”.
Confrontados com a apreciação pouco técnica que o Poder Público faz das estatísticas, é cabível registrar que decisões verticalizadas, que não consideram opiniões de especialistas, costumam fracassar, mesmo que cobertas de boas intenções.

Deixar de apurar as impressões de acadêmicos e profissionais do Direito e da Saúde, entre outros, é um risco não apenas pelas verbas públicas aventadas, mas pelas vidas que estão relacionadas ao problema das drogas.