Editorial: Contas da imprudência

Do ponto de vista estrutural, não há nada na motocicleta que explique a razão de tão elevados números negativos a ela associados no trânsito. O Código de Trânsito Brasileiro determina, de forma clara e inequívoca, uma série de obrigações para resguardar a segurança de condutores e passageiros. Motociclistas precisam seguir as mesmas normas, referentes a regras como o limite de velocidade e o respeito a sinalizações, além de observarem determinações específicas para o tipo de veículo que conduzem, parte delas extensíveis aos eventuais garupeiros.

Não obstante, os dados relativos a acidentes e infrações ao trânsito mostram uma acentuada desproporção se comparados os índices de automóveis e motocicletas. Os últimos números consolidados sobre a frota de veículos automotivos em Fortaleza contabilizaram mais de 1 milhão deles circulando pelas vias da cidade. Neste montante, há 294 mil motocicletas. Com essa quantidade, não seria razoável esperar que a Capital estivesse livre de situações lamentáveis envolvendo este tipo de veículo; mas que elas são tão frequentes quanto o são é um alerta à sociedade e ao poder público, que precisam dar respostas enérgicas ao problema.

Levantamento realizado pela Prefeitura de Fortaleza, considerando registros do primeiro semestre deste ano, mostrou que, das mortes no trânsito da Capital, 45,6% têm por vítimas motociclistas. O perfil predominante daqueles que perderam a vida em acidentes fatais sobre duas rodas, durante o período, é de homens, da faixa etária de 30 a 59 anos. Este grupo representa 83,2% do total.

Consumo de bebidas alcoólicas por parte de condutores e a resistência ao uso do capacete são variáveis que catalisam as fatalidades envolvendo motociclistas. Há ações de fiscalização no sentido de coibir tais comportamentos de risco. Os dois tipos de infração são frequentemente registrados pelos agentes de trânsito. De janeiro a junho de 2019, a Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) tirou das ruas 2.036 motocicletas, por meio de abordagens em ações itinerantes e da Lei Seca em Fortaleza. A média mensal de apreensões de motos é de 340 motos.

Em tese, o problema não deveria ser complicado como é. Não é razoável que condutores abram mão de itens de segurança e, assim, se exponham a riscos graves. O capacete, como se sabe, é item obrigatório, pois já se provou determinante da vida e da morte em casos de quedas e outros acidentes.

A concretude dos casos exige estratégias para reverter o quadro. É evidente a importância das ações de fiscalização para reprimir a direção perigosa e o flagrante desrespeito às regras do trânsito. Mas os investimentos do Poder Público não podem se concentrar neste único ponto. É fundamental que se trabalhe para uma mudança cultural, transformadora de hábitos e valorização de práticas de direção saudáveis.

Apostar em educação é imperativo, não apenas por parte dos agentes públicos. Ao cidadão cabe o dever de honrar seu compromisso com as normas da sociedade, incluindo aquelas relativas à condução de veículos, e contribuir para a conscientização de seus pares. O ganho das boas práticas, afinal, é sempre coletivo.