Editorial: Caso emblemático

Exatamente no 8 de março, que marca internacionalmente as lutas e conquistas por direitos femininos, a Polícia Militar conseguiu capturar um homem acusado de participar de um crime contra a mulher que chocou a sociedade cearense. Ele e outros cinco irmãos, já presos anteriormente, são acusados de estuprar, por uma década, uma sobrinha menor de idade, no Crato. As agressões sexuais começaram quando a menina contava apenas sete anos e só cessaram após a própria ter procurado as autoridades para denunciar o abuso.

A trama, por mais nauseante que seja, está longe de ser um caso isolado. Ao contrário, está inscrita na zona de interseção de tendências violentas que se abatem sobre as mulheres diariamente. É representativo não apenas de como se dá a violência contra as mulheres, tendo o ambiente doméstico, absurdamente, como uma zona de alto risco, mas dos números inaceitáveis da região do Cariri cearense. 

Segundo dados do Monitor da Violência, parceria do portal G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no ano passado, foram registrados 4.254 homicídios dolosos tendo mulheres como vítimas, em todo o Brasil. O número mostra um recuo de 6,7% se comparado ao dos casos do ano anterior. Contudo, a redução é menor do que a média quando as vítimas do gênero masculino também são contabilizadas. 

O decréscimo do número absoluto de assassinatos pode fazer sombra a outros dados preocupantes. Os registros de feminicídio, quando o homicídio se configura crime de ódio motivado pela condição de gênero, aumentaram – de 1.047, em 2017, para 1.173, no ano passado. No Ceará, o número apontado pela pesquisa foi de 26 casos em 2018, oito a mais do que no ano anterior.

A morte não é o único índice que expõe a situação crítica em que vivem muitas mulheres no Brasil. No último ano, 27% delas sofreram algum tipo de violência ou agressão. Aqui, mais uma vez, vale lembrar o caso do Crato: em perto de 80% dos casos, o agressor é alguém conhecido, como cônjuge, parentes e vizinhos; cerca de 40% das agressões aconteceram no ambiente doméstico.

Esse é o retrato que é permitido conhecer. Afinal, nem sempre uma agressão é denunciada. Novamente, se deve voltar ao caso citado no começo do texto, por conta de uma simetria perversa. No ano passado, por demanda do Orçamento Participativo, foi instalado no Crato o Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (Nudem) da Defensoria Pública do Estado do Ceará. Dados preliminares, dos atendimentos realizados entre junho e dezembro de 2018, mostraram que 30% das mulheres que procuraram o equipamento sofreram a violência por mais de 10 anos.

Merecem ser louvadas iniciativas como a da implementação do Nudem e o anúncio, feito ontem pelo governador Camilo Santana, da criação das Casas da Mulher Cearense, começando pelo Cariri – o equipamento multi-institucional é inspirado num modelo federal de defesa da Mulher. O papel dessas ações é fundamental para debelar os feitos nocivos da misoginia. Contudo, é importante salientar, as medidas do Poder Público demandam a efetiva colaboração e o compromisso de toda a sociedade. Sem essa parceria, o êxito será impensável. 


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