Editorial: As mulheres e a violência

Nos primeiros quatro meses do ano, crimes violentos tendo mulheres como vítimas foram noticiados, repetidas vezes, no Ceará. Os casos pareciam variações de um mesmo enredo sinistro, no qual as vítimas terminavam mortas, de forma extremamente violentas, pelas mãos de homens de seu círculo íntimo, incluindo cônjuges e amigos.

A reincidência de episódios semelhantes não é uma coincidência, mas a manifestação de um padrão que tem preocupado autoridades em todo o País e envolvido diversas instituições públicas e privadas. Apesar da resposta, ainda há muito o que ser feito para frear o feminicídio, resultado de valores distorcidos acerca da desigualdade entre os gêneros, incompatíveis com qualquer sociedade que se pretenda moderna.

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, mais conhecida como Convenção de Belém do Pará, define o crime como "qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada".

Em 2018, foram registrados 447 homicídios dolosos contra mulheres no Ceará, sendo 26 deles considerados feminicídios (quando o assassinato é motivado em razão do gênero). As mortes são a manifestação mais extrema de um conjunto de violências, físicas e psicológicas, ao qual milhares delas são submetidas, diariamente. Para que situações do tipo sejam interrompidas, é necessária uma rede de apoio, que permita à vítima encontrar abrigo seguro na lei contra os abusos de seu agressor.

Há obstáculos a serem superados, como as deficiências da estrutura disponibilizada pelo Estado para intervir em casos de violência contra a mulher e de garantir a segurança daquelas que são abusadas; e os valores equivocados, que fazem crer ser este um problema íntimo, no qual a sociedade e o Estado não deveriam ter ingerência. Valores, por vezes, partilhados por quem é vítima.

O Estado brasileiro dispõe de leis modernas que tipificam os crimes contra a mulher e, cada vez mais, a população toma consciência destas garantias legais. No primeiro trimestre deste ano, só pelo Juizado da Mulher de Fortaleza, foram deferidas 1.470 medidas protetivas. Em 2018, o número chegou a 4.891.

Na Capital, os defensores públicos do Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher da Defensoria Pública do Estado do Ceará (Nudem) realizaram 4.388 autuações, um aumento de 56,8% em relação a 2016. A instituição promove, durante todo o ano, a campanha "Em Defesa Delas", com atividades concentradas no mês de maio, com ações que buscam alertar as mulheres sobre seus direitos. Iniciativas como essas demandam apoio do Estado; e as mulheres que delas necessitam precisam de apoio, inclusive emocional, para chegar a elas e fazê-las valer.

A violência afeta mulheres de todas as classes sociais, etnias e regiões do País. É uma prática que, sob nenhuma hipótese, pode ser entendida pelas autoridades e pelo demais setores da sociedade como um problema de ordem privada ou individual. Trata-se de um fenômeno estrutural, que afronta as garantias legais que o Brasil dá a seus cidadãos e se impõe como uma responsabilidade à sociedade como um todo.


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