Editorial: Área fundamental

A cultura é uma dimensão fundamental de qualquer sociedade. Domínio do simbólico, é moldado como imaginário ou ganha existência física em criações artísticas. Dessa forma, determina e é determinado pela sociedade; traz as marcas da identidade de um povo e, ao mesmo tempo, ajuda a defini-la. É um vasto território que se coloca como um desafio ao poder público, não apenas por sua importância, mas também falta de familiaridade do meio político com suas questões e potencialidades.

No campo político, dificilmente se encontrará quem se arrisque a adotar um posicionamento contra a cultura, sob pena mesmo que parecer ir de encontro à própria civilidade - que é o fundamento mesmo da vida em sociedade. Isso não quer dizer que o tratamento despendido ao campo do simbólico e do criativo seja o apropriado. Cabe à cultura, afagos e elogios; segue-se, em geral, um discurso do senso comum que enaltece determinadas práticas culturais, em especial a leitura, enumerando-se os benefícios desta para a educação e para a formação cidadã. O desafio é ir além e dar concretude aos discursos, na forma de ações, investimentos e elaboração de políticas públicas que saiam do papel.

No Brasil, a cultura costuma ser um campo negligenciado pelos gestores públicos. Se isso acontece, não é por falta de esforços dos profissionais das muitas áreas que cabem sob o guarda-chuva cultural, ativistas dos bons frutos que esse campo dá e defensores de investimentos mais robustos nele.

Não faltam motivos para se defender uma maior atenção ao campo cultural. São tantos que é preciso método para organizá-lo. Na academia, são muitas as disciplinas que se indagam sobre esse território de crenças, saberes, símbolos e práticas. Esse interesse múltiplo espelha a condição transversal da cultura, que se espraia por campos tão distintos quanto as religiões e a economia, a educação e as artes.

A relação entre as instâncias do Estado com a cultura deve-se pautar por essa vocação de ela estar presente também em outras áreas. É preciso investir em estruturas específicas - secretarias, na maioria dos casos - e estimular o diálogo destas com as demais, de forma a se chegar em um tratamento sistêmico. O cidadão deve estar atento para que o entendimento que a cultura também está na educação e no esporte, por exemplo, não sirva de pretexto para esvaziar as estruturas administrativas especializadas de profissionais, recursos e poder de decisão. São elas as responsáveis por cuidar justamente das zonas e manifestações que, por sua própria natureza, carecem de mecanismos econômicos para se manterem ativas. O mercado é fundamental para uma sociedade, mas nem tudo é mercado e daí a importância, por mínimo que seja, do Estado.

Importante também falar da relevância econômica da cultura, mais quantificável e, sem dúvida, com melhores chances de chamar a atenção de vários setores da sociedade. As estimativas do Banco Mundial é que a cadeia produtiva da cultura seja responsável por 7% do PIB do planeta. No Brasil, chega próximo de 3% - e isso diz mais de nossa falta de habilidade administrativa da questão do que carência de potencial. É um área que o Governo Federal, que preferiu prescindir de um ministério específico, precisa estar atento e mostrar serviço.


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