Editorial: Aprendizado doloroso

O Brasil diz, jocosamente, mas com alguma seriedade, que o ano só começa depois do Carnaval. Ainda não chegamos lá, mas 2019 contradiz a máxima e mostrou que tem pressa. Janeiro e fevereiro (ainda em curso) foram turbulentos e lacrimosos. Mesmo quem tentou se desconectar da política, com seu mau hábito de se entremear com a corrupção, não pôde se esquivar das notícias desagradáveis.

Não faltaram tragédias, como a de Brumadinho (MG), que deixou centenas de mortos e desaparecidos, para não falar do impacto ambiental; o incêndio no centro de treinamento do Flamengo, no Rio de Janeiro que ceifou vidas e sonhos de atletas demasiados jovens; e a asfixia fatal de um jovem num supermercado, também no Rio, suspeito de condutas ilegais no estabelecimento e agredido com brutalidade desmedida por um segurança do local.

Ainda que seja penoso se confrontar com cada uma dessas tramas, é importante se investir de coragem e disposição para conhecer cada um desses casos. Não foram tragédias acidentais, determinadas pelo acaso ou por forças incontroláveis da natureza. Nos três casos citados, há investigações em curso e é imperativo que a Justiça seja aplicada.

Não se espera, assim, que se faça valer a máxima do grego Epicuro, para quem a Justiça seria a vingança do homem em sociedade; e a vingança, a Justiça do homem em estado selvagem. Toda sociedade civilizada entende seus mecanismos de sanção como uma forma extrema e incontornável de aprendizagem, daqueles que cometeram o ato ilícito, pelas experiências restritivas da punição; e de toda a sociedade, pelo exemplo que lhe é dado ao testemunhar a aplicação das leis coletivamente reconhecidas.

Mas a dor das tragédias tem, também, um potencial pedagógico. Foi o filósofo alemão Friedrich Nietzsche quem melhor sintetizou sua lei: "Grava-se algo a fogo, para que fique na memória: 'apenas o que não cessa de causar dor fica na memória'- eis um axioma da mais antiga (e infelizmente mais duradoura) psicologia da terra?".

O fim de semana trouxe notícias de outra dessas experiências estarrecedoras. O adestrador Vladinir Maciel informou a morte do cão Jacó, um border collie famoso por suas capacidades extraordinárias. O animal foi atropelado, no Porto das Dunas, em Aquiraz. O condutor, afirmaram as testemunhas, teria refeito sua rota e avançado sobre o cachorro, evadindo-se após atropelá-lo.

Aqui também se espera que o autora morte do animal seja identificado e, constatada sua responsabilidade, que seja penalizado conforme prescreve a lei. Deve-se, contudo, lembrar que a punição não é uma finalidade em si. Essa tragédia, como as outras, gravadas a fogo na memória, como disse o pensador, devem motivar discussões e ações.

A pauta, no caso do cão Jacó, é dupla. De um lado, o perigoso trânsito de veículos motorizados pelas praias do Ceará. Apesar dos alertas e de casos graves, incluindo fatalidades, estamos ainda distantes da fiscalização e da repressão necessárias. De outro, a inaceitável e criminosa crueldade contra os animais. Temas que parecem exauridos, mas que, como se vê, exigem não apenas nossa indignação, mas mobilização para que os mecanismos da Justiça sejam apropriadamente aplicados.


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