Editorial: Ajuste nas contas

Foi iniciado o julgamento em plenário no Supremo Tribunal Federal (STF) da validade da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000). A decisão definitiva não foi ainda tomada. Contudo, os ministros já analisaram e votaram alguns dos pontos da pauta, que inclui sete ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) e uma de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), em que são questionados mais de vinte dispositivos da Lei.

Dentre os pontos já votados, destaca-se um que pode ter consequências diretas para o Ceará. Diz respeito a entendimento jurídico que torna ainda mais urgente a resolução de problemas de natureza administrativa e tributária, pelos quais passam uma parcela expressiva dos municípios cearenses. O STF reconheceu como constitucional o art. 11 da LRF, segundo o qual "constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação". O parágrafo único destaca que "é vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos".

As transferências desta natureza são um dispositivo que permite o repasse de recursos federais a entidades governamentais - caso dos estados e municípios - ou organizações não-governamentais (ONGs) para o investimento exclusivo em áreas de função social, rubrica abrangente que inclui obras de infraestrutura, saneamento básica, construção de moradias populares, dentre outras designações. Há uma particularidade das transferências voluntárias que deve ser destacada: estas operações são financiadas com recursos do orçamento federal, mas sem exigem de contrapartida.

Buscam-se, desta forma, garantias para que a União não termine por beneficiar aqueles entes que não fazem aquilo que lhes compete. É um instrumento de pressão, que incentiva a regularização de processos que, em si, já trazem retornos positivos para estados e municípios. Faz-se necessário, contudo, o detalhamento desta medida e de que forma também o Governo Federal pode ajudar as unidades administrativas a se regularizarem. A sanção não pode ser um fim em si, sob pena de prejudicar estados e municípios que precisam de atenção, tornando-os menos atrativos aos negócios e, portanto, de ter uma boa saúde financeira; e, sobretudo, a população.

Importante lembrar os achados de relatório divulgado pelo Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE-CE), segundo o qual 41 dos 184 municípios cearenses arrecadaram, no ano passado, o correspondente a menos de 1% das suas despesas. A auditoria realizada pela Corte de Contas mostrou que a maior parte dos tributos arrecadados - quase 85% — era oriunda de apenas dez municípios do Estado.

O TCE abriu consulta pública, ouvindo gestores dos municípios, antes do julgamento do relatório, previsto para setembro. Espera-se que o alerta, suscitado pelos dados da auditoria, e que a decisão do STF impulsionem uma nova postura fiscal, que beneficie os municípios cearenses e sua população.


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