Editorial: A saúde vai à Justiça

De tão recorrente, a situação até ganhou nome, adotado pela imprensa e em debates públicos que opõem o Estado aos setores organizados da sociedade: judicialização da Saúde. Trata-se do movimento frequente de cidadãos que procuram meios legais para obrigar as instâncias públicas ou as entidades privadas previamente contratadas a garantirem o suporte necessário à reabilitação ou manutenção da saúde de um ente querido ou da própria pessoa.

Quem recorre a esse expediente é movido não apenas pela empatia por quem vê sua integridade física ameaçada pela falta de tratamento adequado à determinada enfermidade. Trata-se de uma iniciativa que evoca direitos garantidos pela legislação brasileira. Quando se aciona o Estado - em qualquer uma de suas três instâncias (municipal, estadual ou federal) -, recorre-se a um direito constitucional, assim está descrito no artigo 196 da Carta Magna de 1988: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".

A história é antiga e tem a ver, em grande medida, com a equação que envolve os investimentos públicos em saúde e a real demanda desses recursos. Não há dúvidas que, diferente de outras áreas, a saúde impõe uma dificuldade mais acentuada no convívio com situações de carência e precariedade. Não poucas vezes, são necessárias ações que não podem ser proteladas, sob risco de levar a agravamento de quadros clínicos e, no limite, na morte de um paciente. Daí, é fácil intuir a razão de tantos casos de judicialização da saúde em todo o País.

Um dado recente da Defensoria Pública do Estado do Ceará ajuda a ilustrar a dimensão do caso. Só nos dois primeiros meses deste ano, a instituição atendeu 1.181 pessoas em seu Núcleo de Defesa da Saúde (Nudesa), com demandas de medicamentos, vagas em leitos de UTI e tratamentos de alta complexidade. Isso, apenas em Fortaleza. Em 2017, os atendimentos do Nudesa chegaram a 6,2 mil, só na Capital; e, no ano passado, alcançou o número de 7,6 mil atendimentos. Some-se aí os casos de todo o interior do Estado e aqueles que são movidos por advogados e escritórios particulares, para que se chegue ao panorama completo.

É preciso que se incrementem ações, em várias frentes, para minimizar a situação. Afinal, que tantos casos cheguem à Justiça é uma amostra do descompasso entre o que se necessita e o que se oferta. Importante salientar que, no caso da saúde, ficar desassistido pode implicar em danos irreparáveis. As atribuições constitucionais do Sistema Único de Saúde já apontam caminhos frutíferos em curto, médio e longo prazos, como as fiscalizações de vigilância sanitária e epidemiológica; e a participação da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico.

Há de buscar também soluções administrativas, que reduzam a burocracia em prol da vida. Dos processos que chegam à Defensora Pública, 60% são resolvidos de forma administrativa, sem necessidade de encaminhamento judicial, devido a parcerias da Defensoria com as secretarias de Saúde. Um caminho no qual, certamente, se merece investir.


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