Editorial: A reforma e a dúvida

Em janeiro, o Governo Federal apresentou uma lista com 35 pontos a serem priorizados nos 100 primeiros dias da gestão do presidente Jair Bolsonaro. Notou-se, então, a ausência de um objetivo explícito, tratando do envio do texto de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para a reforma do sistema previdenciário brasileiro. 

Comentada durante a campanha eleitoral, é uma vitória considerada urgente e indispensável pelo ministro da Economia Paulo Guedes. Sem rodeios, ele afirmou, reiteradas vezes, que não será possível ajustar as contas públicas sem que a reforma seja feita. E ajustar as contas públicas é uma forma dizer: pôr o País em movimento e garantir a seus cidadãos e organizações o acesso aquilo que lhes garante a Constituição Federal. 

Uma explicação razoável para tal ausência é que a reforma na lista oficial de prioridades do Governo, por si só, gozava de um status único, merecendo do Planalto atenção ainda mais especial, antes de qualquer outra medida de grande monta. Foi isso que Bolsonaro fez, confirmando a avaliação do ministro Paulo Guedes quanto à importância e urgência de mexer na Previdência. Há três semanas o presidente encaminhou a PEC elaborada por sua equipe econômica ao Congresso Nacional. E nesta semana, espera-se, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados deve dar sinal verdade para que a matéria seja analisada, discutida, votada, eventualmente alterada. 

Se aprovada na Câmara, precisará ainda seguir para enfrentar outro périplo, dessa vez, no Senado Federal. O caminho é longo e nebuloso; e o fim da jornada é imprevisível, adote-se uma perspectiva otimista, pessimista ou equidistante – do texto da PEC, da capacidade do Governo de defendê-lo, da disposição da Câmara para avaliá-lo e do próprio tramite em si.

Bolsonaro afirma – e os ministro ecoam seu capitão – que não haverá “toma lá, dá cá” entre seu Governo e os congressistas para a aprovação da PEC da reforma da Previdência. A expressão é um guarda-chuva em que cabem práticas que são politicamente reprováveis, ainda que nem sempre os dispositivos legais consigam enquadrá-las. Tratam-se de intercâmbios inadmissíveis, indo da cessão de cargos para indicados de um político, partido ou bancada; passando pela liberação de recursos para projetos capazes de incrementar o capital eleitoral de determinado parlamentar; até formas fraudulentas de passar dinheiro ou bens para um ambicionado apoiador.

É uma história antiga, que o brasileiro conhece bem e repudia, mas que perdura na cultural política no País. Por contar disso, o Planalto terá dificuldade em tentar conduzir uma PEC apostando suas fichas em “como as coisas deveriam ser” e ignorando como elas de fato o são. O que fazer então é uma resposta que nada tem de fácil.

O Governo precisará demonstrar uma capacidade ímpar de articulação e diálogo, para não ver sua PEC ser engolida pelos velhos hábitos das forças políticas do País; e para não se ver pagando um preço alto demais para fazer o que acredita que precisa ser feito. No meio disso tudo, é preciso estar atento aos anseios dos cidadãos, conscientes do quão importante será para seu futuro uma reforma do sistema previdenciário, seja qual for o rumo que ela tomar.