Editorial: A festa brasileira

O Carnaval ocupa um lugar central na cultura e na sociabilidade do brasileiro. Determinado pelo calendário da Igreja Católica Apostólica Romana, é uma festividade de espírito laico e, pode-se mesmo dizer, profano. Os calendários marcam como feriado apenas uma terça-feira, mas o País fica de ponta- cabeça por pelo menos quatro dias – ainda que alguns prefiram antecipá-lo, como os que hoje já cairão na folia, e outros, estendê-lo, anexando a Quarta-feira de Cinzas ou mesmo preguiçando até o outro fim de semana. 

Ainda que seja identificado frequentemente com o Brasil, o Carnaval não é exclusivo do País, nem começou por aqui. Aliás, é uma manifestação cultural que antecede a chegada dos europeus às terras das nações nativas das américas. A origem é imprecisa, mas os historiadores concordam em fazê-la remontar à Antiguidade. Há elementos, ainda hoje presentes na folia momina que toma as ruas, em celebrações babilônicas – em que o rei era submetido a situações de inferioridade, num exemplar do mundo invertido – e da Grécia – quando se comemorava o princípio da primavera, portanto, da fertilidade e, daí, pode-se intuir o caráter carnal que a festa tomava.

O brasileiro fez do Carnaval uma coisa sua, com características próprias, que o fazem destoar de suas manifestações homônimas, presentes ao redor do mundo. Não à toa, a festa que aqui se faz não é o decalque de uma tradição portuguesa, que de fato chegou por esses lados do Atlântico com as naus lusitanas quando o Brasil ainda era uma colônia.

O Carnaval, e o Maracatu cearense mostra bem isso, é também tributário das culturas dos povos nativos do País e das muitas nações africanas que tiveram, entre os seus, muitos escravizados traficados para realizar trabalhos forçados no Novo Mundo. Como num resultado de alquimia inesperada, a irreverência é própria dessa amálgama. “A alegria é a prova dos nove”, dizia com espírito satírico o poeta modernista Oswald de Andrade.

Cada um desses elementos enriquece o repertório simbólico de uma manifestação cultural ímpar, que movimenta o País em cada um de seus rincões. É como um mundo em miniatura, no qual é possível se ver reproduzido as relações de poder, as personagens que habitam o imaginário da nação (e o noticiário político é uma fonte certa para as novidades jocosas que ganham corpo em fantasias criativas), a sexualidade e o que mais couber na identidade de um povo. 

É uma festa que se repete, ano a ano, para a alegria de seus adeptos e a despeito de quem a rejeita. E, diferente do que se pode pensar, não é apenas uma celebração do ócio. É sinônimo de trabalho, árduo e necessário, ainda mais em tempos de crise, afinal, o Carnaval desempenha um papel econômico fundamental, em grandes cidades e também no interior do País, que tentam dinamizar sua economia, investindo em arranjos produtivos baseados no turismo, nas tradições e na cultura. 

O Carnaval é a mais do que uma festa. Ele oferece à coletividade a perspectiva de atividades produtivas em áreas relacionadas à diversão e ao lazer, que vai da alimentação às indústrias criativas. Essas podem representar trabalho, temporário ou permanente, lucros para comerciantes e receitas de tributos para o poder público.


Assuntos Relacionados