Editorial: A ética e o espaço urbano

Mobilidade é um dos principais problemas de qualquer grande cidade. No Brasil, não é diferente e, cada dia mais, vê-se Fortaleza e as cidades de maior porte do Estado às voltas com impasses que demandam ações criativas e bem embasadas. As soluções precisam ser atualizadas, dadas as transformações constantes das metrópoles e da capacidade dos desafios de se renovarem. Não há saídas fáceis, nem receitas infalíveis, mas há caminhos que se mostraram vantajosos, como o de observar criticamente experiências dentro e fora do País.

Foi neste espírito que, há alguns anos, a Capital se voltou para a bicicleta e os ciclistas, no contexto das políticas públicas municipais para a mobilidade urbana. O modal já era largamente usado por trabalhadores, e muitas vezes adotado como forma de economizar o dinheiro gasto em deslocamentos. Contudo, Fortaleza era hostil com aqueles que trafegavam em bicicletas. Enquanto outras cidades produziam um espaço mais amigável e apropriado ao ciclista, aqui se apostava exclusivamente nos veículos motorizados.

Quando a mudança chegou, com as primeiras ciclofaixas e ciclovias, também vieram as críticas. O discurso dos opositores se intensificou, recorrendo a argumentos que, hoje, parecem absurdos de terem sido aventados. É o caso do incômodo daqueles que preferiam mais vagas de estacionamento nas vias públicas a faixas exclusivas para o modal; e dos condutores temerosos de perder espaço, antes quase exclusivo de veículos automotivos, nas vias públicas. Hoje, a cidade já dispõe de infraestrutura e de uma cultura de valorização do modal. Projetos como o Ciclofaixa de Lazer, que modifica rotas aos domingos e amplia o espaço para o tráfego de bicicletas, desempenham papel importante na relação da cidade com o tipo de veículo.

Parece uma realidade promissora, mas o caso é complexo. Existem nós que precisam ser desatados - e a responsabilidade, nestes casos, não é apenas do poder público. O relatório de vítimas do Observatório de Segurança Viária de Fortaleza apontou que, no ano passado, o ciclista foi o único perfil que teve crescimento no índice de mortes em acidentes de trânsito. O aumento foi de 21%, se comparado com os dados de 2017. É a terceira categoria que mais sofre acidentes, ficando atrás apenas dos motociclistas e dos pedestres.

Há também avanços em curso, que devem ser intensificados. Dados do ano passado, divulgados pela Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC), mostram redução de 32%, comparado ao ano anterior, do registro de infrações que afetam diretamente a segurança dos ciclistas. O número ainda assim é expressivo - 5.337, dentre as quais, 4.346 foram por transitar em espaços exclusivos do tráfego de bicicletas. O restante, 991 infrações, corresponde aos estacionamentos irregulares nesses espaços.

Ao poder público cabem ações educativas e de fiscalização, para modificar e coibir esse tipo de prática. Mas estas não são medidas que podem trazer resultados positivos sem o envolvimento direto e ativo da população. A conscientização dos condutores e uma postura ética, e não apenas o cumprimento da lei, são indispensáveis à construção de um trânsito mais saudável - e não apenas para o ciclistas.


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