E quedê o trem?

Julho de 1962. Os dois anos do Curso de Infantaria, no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR/10) do Ceará, coroavam-se com a tradicional manobra militar. O acontecimento, afora exercícios bélicos, incluía desfile da tropa e participação de competições esportivas e sociais na cidade. Para aquela bienalidade, o teatro de operações escolhido foi o município do Crato.

Uma composição ferroviária especial, tendo à frente uma Maria Fumaça, partiu da Estação João Felipe rumo à terra do Padre Cícero.
Nossa turma ocupou o último vagão. Bancos de madeira de diminuta profundidade. Pequeno maleiro superior não acondicionava totalmente o saco contendo uniformes, utensílios pessoais e a mochila que, em sacolejos maiores, caíam sobre nós.

Nas curvas ou vento forte, além de fumaça, minúsculas fagulhas expelidas da locomotiva perturbavam. Quase 16 horas até o destino. E dormência no traseiro.
Acantonamos no Parque de Exposição Municipal e, cada um de nós, ocupou uma baia durante oito dias.

De tanto se falar a respeito do transporte ferroviário, surgiu uma história, ali muito replicada. Um matuto paraibano, vindo uma única vez à feira, tinha o desejo de conhecer um trem. Sempre obsequioso, um cratense levou-o à estação e descreveu, detalhadamente, a visita ao comboio.

“Aqui, é o vagão de luxo da primeira classe. Este é o carro-restaurante, onde se almoça, janta e toma café. Agora, o da cozinha. Estamos entrando no da segunda classe, sem conforto. Passamos ao das bagagens e cargas. Chegamos ao de depósito de lenha da caldeira e, finalmente, a máquina, também conhecida por locomotiva! Pronto, está satisfeito?”.

O sertanejo tirou o surrado chapéu de palha. Meneou e coçou a cabeça. Olhou para um lado e para o outro, demonstrando grande dúvida. Demorou como quem assunta e, de forma acanhada, lançou a pergunta: “E quedê o trem?”.


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