Direito ao silêncio

Em editorial de primorosa, este jornal comenta o lamentável episódio do qual foi palco o senador federal quando do depoimento de Celso Pita perante a CPI do Banestado, feitura (“Diário do Nordeste” de 06/05/04). Afirma, com razão, entre muitas outras verdades, que na experiência brasileira as CPIs geralmente se transformam em tribunais políticos, expondo à execração pública supostos acusados, condenados antecipadamente e sem apelação, de acordo com os interesses políticos do momento. Reporta-se à prisão do ex-prefeito de São Paulo e diz que ali se viu um desfile de provocações, com o objetivo claro de desgastar o depoente, amparado por salvo-conduto emitido pelo ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, que a ele assegura o direito de não responder às perguntas que lhe fossem dirigidas, para não ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. E conclui afirmando, com inteira propriedade, que em jogo estava a credibilidade das instituições políticas, abaladas com o abuso de poder de parlamentares despreparados.

O direito ao silêncio está assegurado pela vigente Constituição. É um direito fundamental que, por isto mesmo, nem por emenda constitucional pode ser abolido. A questão que precisa ser esclarecida, especialmente para os leitores do referido editorial, e de certa forma também para os ilustres senadores da República, consiste em saber se o direito ao silêncio pode ser invocado por quem é intimado a depor na condição de testemunha.

Uma interpretação literal do dispositivo da Constituição que garante o direito ao silêncio nos levaria a afirmar que somente o preso tem esse direito. Tão absurdo entendimento, porém, já está fora de cogitação. Admite-se pacificamente que os acusados em geram têm direito ao silêncio. Subsiste, porém, a questão de saber se esse direito pode ser invocado por quem é chamado a depor como testemunha. E nas CPIs em geral prevalece o entendimento de que as testemunhas não podem invocar o direito ao silêncio. Daí a insatisfação de alguns parlamentares com o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de assegurar o direito ao silêncio a pessoas convocadas a depor, como foi o caso do ex-prefeito Celso Pitta.

Penso que a melhor interpretação é a que tem sido adotada pelo Supremo Tribunal Federal. Na verdade, ninguém pode ser obrigado a se auto-incriminar, seja qual for a condição na qual é chamado a responder perguntas. Tanto o acusado, como a testemunha, podem ficar calados diante de perguntas cuja resposta possa de algum modo implicar confissão do cometimento de ilícitos. A não ser assim o direito ao silêncio poderá ser facilmente contornado. Basta que a convocação se faça na condição de testemunha, como parece ocorrer geralmente nas CPIs. E até nas ações penais em geral, basta que o Ministério Público, em vez de oferecer denúncia contra aquele que quer obrigar a confessar, denuncie outras pessoas e arrole como testemunha. Prestado o depoimento com a auto-incriminação a denúncia será aditada, com a inclusão, como réu, daquele que antes era testemunha. É evidente, portanto, a fragilidade da interpretação restritiva da garantia constitucional.

O direito ao silêncio é uma garantia de todos os cidadãos. Ninguém, seja réu ou testemunha, pode ser compelido a responder algo que eventualmente possa implicar confissão de cometimento ilícito. É um direito fundamental que integra os ordenamentos jurídicos de todos os países civilizados do mundo. A prisão do ex-prefeito Celso Pitta, por desacato, foi na verdade um abuso de poder, uma forma oblíqua de desrespeitar a decisão do Supremo Tribunal Federal, em prejuízo da credibilidade das instituições do País, o que é lamentável sob todos os aspectos.

Hugo de Brito Machado
Presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários