Deus Hermes no banco dos réus

O cearense Antônio Cláudio passou cinco anos injustamente preso. O caso ganhou a mídia e chamou a atenção da opinião pública para os erros judiciários, num contexto em que vivemos uma legítima preocupação com a Segurança Pública. Antônio Claudio foi um mártir, pois, ao chegar aos holofotes, fez com que nos voltássemos a um tema delicado e, por vezes, esquecido em meio à sensação de impunidade na sociedade. Os problemas não caminham em lados opostos, pelo contrário. Ao se prender um inocente, a justiça para a vítima não é concretizada: comete-se uma dupla injustiça e a sensação de impunidade perdura.

No caso de Antônio Cláudio, um reconhecimento inicial feito por voz por uma criança prevaleceu sobre várias evidências que o inocentavam. Essa é a realidade do sistema de justiça, que necessita contar com o testemunho, que não raro é considerado um Hermes, "o mensageiro da verdade" no processo. Segundo pesquisa do Ministério da Justiça e do Ipea, o testemunho compõe a solução de 90% das lides, enquanto o reconhecimento de pessoas é mencionado como bastante para condenar em 77% dos casos, ao passo em que conclui que as práticas adotadas nessa seara realizam-se, em geral, em desacordo ao recomendado pela Psicologia do Testemunho, cujo efeito é o risco de produção de evidências imprecisas. De acordo com o Innocence Project, em análise a casos de erros judiciários apurados entre 1989 e 2014 nos EUA, 72% dos inocentados haviam sido condenados com base em testemunho.

Como se vê, Antônio Cláudio não é o único. Ao lado dele, existem muitas Marias e Joãos que podem não ter a mesma sorte de uma família incansável na luta pela liberdade. Em meu mestrado pela UFC, tentei propor soluções para reduzir as potenciais causas de erros na avaliação da prova testemunhal, e esse estudo está sendo lançado sob o título "Prova Testemunhal no Processo Penal: uma proposta interdisciplinar de valoração". Não precisamos de novos mártires. Precisamos de justiça e seriedade.


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