Desarmando a Lei

O Decreto Presidencial n.º 9785/19 veio regulamentar o Estatuto do Desarmamento, e assim, revogou, dentre outros, o Decreto n.º 9765/19, emitido pelo próprio Governo no início do ano, o que já aponta um certo amadorismo na condução de um assunto tão delicado. Seja como for, aqui há, pelo menos, dois aspectos a merecer destaque.

1) Incremento das armas de fogo de uso permitido. O Decreto trouxe algumas armas da categoria de uso restrito para permitido, o que viabiliza o acesso a elas para um grande número de contemplados. E no entanto, não se trata de simplesmente facilitar o acesso, mas também aumentar o potencial lesivo das armas em circulação legalmente no País. Sob o manto do discurso do direito de autodefesa, está-se incrementando o risco de conflitos interpessoais com desfecho fatal, ou seja, o Governo está autorizando violência respondida com mais violência. Há também um efeito jurídico imediato: os sujeitos acusados ou condenados por porte ilegal de arma de uso restrito serão beneficiados com uma pena mais branda.

2) Ampliação das categorias com direito de porte. O Estatuto traz uma relação de categorias autorizadas a portar arma de fogo e qualquer modificação, para ampliar ou reduzir esse rol, devia ser feita também por lei. Todavia, o Decreto passou por cima disso, extrapolando sua função de regulamentar a lei. Agora teremos categorias com direito de porte baseado na lei, como integrantes das Forças Armadas, do Judiciário ou do MP; outras no Decreto, como advogados públicos, jornalistas da área policial e agentes de trânsito. Portanto, nesse ponto, o Decreto é ilegal.

Para além de uma promessa de campanha que começa a ser cumprida, é espantoso o desapreço de alguém que até pouco tempo atrás integrava o Parlamento com a Casa de onde veio. No fim das contas, o atual Governo está modificando o Estatuto como bem entende, desarmando a lei, o que já está sendo questionado no STF.


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