Contribuição dos inativos

Existem muitas teses a respeito do que seja um direito adquirido. Umas ampliam, outras restringem esse importante conceito

Não vou questionar aqui a carência de recursos financeiros da seguridade social. Sabemos todos que as duas maiores fontes de recursos, a Cofins e a CSL, foram desviadas para o Tesouro Nacional e não pode haver dúvida de que isto é a principal razão dessa carência. Quem quiser ver como é significativa a arrecadação dessas contribuições pode consultar, pela Internet, SIAFI-STN/CCONT/GEINC. A questão que vamos abordar aqui é simplesmente jurídica, e consiste em saber se a instituição de uma contribuição cobrada dos servidores públicos inativos fere, ou não, o direito adquirido. E conseqüentemente, a questão de saber se é permitida, ou não, pela vigente Constituição Federal.

Existem muitas teses a respeito do que seja um direito adquirido. Umas ampliam, outras restringem esse importante conceito. Predomina, porém, inclusive no Supremo Tribunal Federal, a tese que distingue entre o direito adquirido e a expectativa de direito. E predomina também a idéia de que o direito adquirido tem conteúdo patrimonial que nos permite afastar do contexto do tema em exame a tese segundo a qual não existe direito adquirido a regime jurídico.

Todo direito subjetivo, isto é, todo que pode ser dito o meu direito a isso ou àquilo, como é o caso do direito à aposentoria, resulta de dois componentes: norma e fato. No caso do direito à aposentadoria, a norma descreve a situação na qual se adquire o direito. Por exemplo, aos trinta e cinco anos de serviço público. E o fato, isto é, a prestação de serviço público durante trinta e cinco anos. Ocorrido o fato previsto na norma, adquire-se o direito.

Quando alguém faz concurso e ingressa no serviço público passa a ter um regime jurídico, isto é, passa a ter uma situação que está regulada pelas normas aplicáveis aos servidores públicos, entre as quais aquela norma segundo a qual o servidor público tem direito de aposentar-se aos trinta e cinco anos de serviço. Em tal situação ele tem uma expectativa de direito à aposentadoria. Não adquiriu, ainda, o direito à aposentadoria porque o fato, ingrediente formador desse direito, ainda não ocorreu completamente. Falta o decurso do tempo previsto na norma.

Quando o servidor completa os trinta e cinco anos de serviço, aí sim, tem direito adquirido à aposentadoria. Seu direito à aposentadoria está completamente formado. A norma descrevendo a situação de fato deixou de ser simples previsão. Realizou-se no mundo dos fatos a situação prevista. Tem-se, então, o direito adquirido à aposentadoria.

Esse direito adquirido, segundo a maioria dos juristas que se manifestaram sobre o assunto, tem conteúdo patrimonial. Isto quer dizer que ao completar os trinta e cinco anos de serviço público o servidor tem direito adquirido à aposentadoria com os proventos calculados de acordo com a lei então vigente. Qualquer mudança que venha a ocorrer na norma jurídica aplicável aos aposentados, depois daquela data, não se aplicará a quem já adquiriu o direito à aposentadoria, porque a Constituição Federal assegura que a lei não atingirá o direito adquirido.

Mas, se a Constituição for alterada, para modificar-se essa garantia?

Essa alteração não é possível, pois a própria Constituição diz que não serão admitidas emendas à Constituição tendentes a abolir os direitos fundamentais e a garantia do direito adquirido é um direito fundamental, como tal capitulado na Constituição:

Não há dúvida, portanto, de que a criação de uma contribuição a ser cobrada dos inativos, já aposentados, constitui flagrante violação da vigente Constituição Federal, vale dizer, uma flagrante afronta ao direito adquirido à aposentadoria. Aliás, o direito à aposentadoria para os que já completaram as condições legalmente exigidas para que ocorra a aposentação é, sem dúvida, o melhor e mais eloqüente exemplo de direito adquirido. No momento em que o servidor completa os trinta e cinco anos de serviço todos os fatos constitutivos da situação prevista na norma para gerar o direito à aposentadoria estão definitivamente no passado. Ele nada mais precisa fazer para ter esse direito. É um direito plenamente adquirido.

* O autor é professor titular de Direito Tributário e presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários