Com que olhos olhamos a cidade

Fortaleza tem ocupado o noticiário com índices de violência que não nos orgulham, mas eu, como pesquisadora e professora, costumo não me contentar com a primeira impressão daquilo que vejo. Luto para não perder a capacidade de dar dois passos atrás na indignação comum e compreender o que mais o acontecimento me revela.

Assisti pelas redes sociais uma “cena” que me chamou atenção: uma notícia explicava como a polícia agiu educativamente com alguns jovens que teriam pichado um muro e me surpreendi com as reações dos leitores. Li desejo de morte, de linchamento, ódio ao jornal porque tinha usado o nome correto: jovens. Vi um espetáculo medieval por meio de uma rede social.

Aqueles não podiam ser jovens, não eram sequer humanos. Assisti um derrame de ódio direcionado a pessoas desconhecidas, com histórias desconhecidas. Não sabemos qual infração cometeram, se é que cometeram. No Brasil não é o crime, prioritariamente, que é julgado; se julga as pessoas, especificamente aquelas escolhidas para ocupar o lugar do perigoso. Elas são culpadas até que se prove o contrário (e não é dado o direito de defesa).

Os mesmos que há mais de 500 anos se escolheram para dominar os povos que aqui viviam têm sumariamente escolhido quais são aqueles que não podem circular, não podem estar em situações de poder, não podem ensinar. É uma guerra contra o povo negro, indígena, pobre. E com quem estiver ao lado desses. Mas nós escolhemos não nos render.

Nossa cidade continua bela, as contradições veiculadas na imprensa não são novas, a guerra já é antiga, a resistência não é de hoje. Nossas aldeias e nossos quilombos (concretos e simbólicos) estão cada vez mais vivos e fortes, nossa luta é inteligente, tem amor, tem raiz. O povo dessa terra não se acabou e não se acabará, tem muita gente fazendo o que é para ser feito, se recuperando do baque e encontrando maneiras bonitas de ser e viver no mundo. Uni-vos! Nós somos a primavera!


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