Audiência da discórdia

A audiência de custódia é objeto de discórdia no meio social em geral. O Senador Márcio Bittar (PSL/AC), recentemente, apresentou um projeto para aboli-la. Ele argumenta que "não se pode consagrar direitos de criminosos em mentir e acusar injustamente agentes da Lei".

Baseado na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a audiência serve para o juiz avaliar a legalidade da prisão em flagrante delito de alguém. Antes de sua implantação, em 2015, o juiz decidia apenas lendo o auto de prisão encaminhado pelo Delegado de Polícia. Com a audiência, além do documento, o preso lhe é apresentado em ato com a presença do Ministério Público e de um defensor.

Parece longe de dúvida que a audiência maximiza direitos fundamentais do preso e fornece ao juiz mais elementos para decidir o que fazer com ele. Ocorre que tudo isso começou torto: por inovar no processo penal, deve ser objeto de lei; porém, foi implantada por meio de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça. Em verdade, foi empurrada goela abaixo da Justiça Penal como uma estratégia para diminuir o encarceramento provisório.

E no entanto, esse artifício não funcionou. Segundo o CNJ, até junho de 2017 haviam sido realizadas no Brasil mais de 258 mil audiências, sendo que em 55% delas (no Ceará, 59%) o juiz decidiu manter o flagranteado preso. Depois de uma experiência de um ano participando dessas audiências, arrisco um palpite: roubos à mão armada e tráfico de drogas são, de longe, os casos mais recorrentes, com sujeitos que muitas vezes já ostentam antecedentes criminais, e neles é difícil encontrar um juiz que não os deixe recolhidos. Para o senador, a audiência de custódia "gera impunidade e dá credibilidade à palavra de criminosos". Não é bem assim. Entretanto, acredito que ela não serve para esvaziar presídios, mas para que o juiz decida melhor e, sobretudo, merece ser regulada por lei.


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